A guerra franco-suíça que não houve

José Horta Manzano

Você sabia?

Foto: Jean-Christophe Bott

Foto: Jean-Christophe Bott

Se tivesse ocorrido em outros tempos, teria sido casus belli, um daqueles acontecimentos que justificam declaração de guerra. Mas vamos passar o filme desde o começo.

As vacas suíças passam o inverno no estábulo. De outubro a março, os campos estão frequentemente cobertos de neve, mato não cresce, e os animais não têm o que comer. São alimentados com feno – mato ceifado durante o verão, secado e guardado para os meses frios.

Quando volta a bela estação, lá por março ou abril, os campos se cobrem de verde. Em comboio, as vacas são conduzidas a montes elevados, onde o pasto é gordo e farto. Ficam por lá até outubro, quando são trazidas de volta ao curral. Esse vaivém chama-se transumância.

É bom ter em mente que cada uma das 600 mil vacas leiteiras suíças ingere diariamente 100kg de mato e bebe de 100 a 130 litros d’água. No total, são 70 milhões de litros diários – volume respeitável.

A seca anda brava este ano. Entre 22 de junho e 22 de julho, não caiu uma gota de chuva. A temperatura tem sido senegalesa. Como resultado, começa a faltar água para os animais. Estão todos lá em cima, os tanques secaram, as reservas se esgotaram, que fazer?

Transumância

Transumância

O governo federal determinou que o exército desse uma mão. Helicópteros Super Puma foram encarregados de recolher água de lago e transportá-la até os reservatórios de montanha. A fronteira franco-suíça passa justamente na região dos Montes Jura. Do lado francês, há um lago de montanha.

Pertinho, do lado suíço, estão as vacas. O governo suíço pediu à França autorização para recolher água do lago. Paris permitiu o sobrevoo. Dia seguinte, helicópteros militares suíços deram início a um balé incessante de recolha d’água. Autoridades regionais francesas, que não haviam sido informadas, escandalizaram-se. É que a legislação francesa exige que, para retirar água de lago, se obtenha permissão das autoridades regionais.

O exército suíço, imaginando que a autorização de sobrevoo dada por Paris fosse suficiente, não cuidou de verificar regulamentos regionais. Foi um deus nos acuda. É compreensível. Imagine o distinto leitor o susto que levaram moradores do lado francês ao ver baixarem aeronaves militares estrangeiras pra roubar água do lago deles. É fato gravíssimo. Em outros tempos, podia ter dado origem a uma guerra.

Helicoptero 3

Foto: Eric Chevassus

Felizmente, os modernos meios de comunicação são rápidos. Em 24 horas, desfez-se o mal-entendido. O exército suíço apresentou pedido formal de desculpas ao governo francês e, imediatamente, parou de chupar água do laguinho.

O precioso líquido está sendo retirado agora do Lago Léman. Fica um pouquinho mais longe das vacas, mas, pelo menos, o transporte não periga provocar incidente diplomático. Além disso, com seus 100km de comprimento, 10km de largura e 300m de profundidade, o Lago Léman tem água pra muita vaca.

Helvetismos 1

José Horta Manzano

Prisão suíça
O Tribunal des Mesures de Contrainte do Cantão de Genève ― uma instância da Justiça Penal que, entre outras atribuições, supervisiona o cumprimento das penas ― acaba de declarar que o fato de um prisioneiro dormir num colchão estendido diretamente no chão é ilegal. O regulamento prevê que o colchão seja assentado sobre uma cama. Por aqui, não convém bobear com regulamentos.

E não é só. O tribunal deu outro puxão de orelha nos responsáveis pelo principal Centro de Detenção do Cantão. A lei é clara: cada preso tem de dispor de no mínimo 4 metros quadrados. Algumas celas de 23m2, previstas para 3 inquilinos, estão sendo ocupadas por 6 indivíduos. Isso dá 3,84m2 por pessoa. É ilegal, naturalmente.

Os presos que estão vivendo nessas condições indignas têm direito a prestar queixa e reclamar uma compensação financeira do Estado. Estima-se que uma boa metade dos presos de Genebra vivem assim. Vão todos certamente pleitear e conseguir uma reparação financeira. Eventuais prisioneiros brasileiros também terão o mesmo direito.(*)

Quanto à resolução do problema da superlotação, o abacaxi terá de ser descascado pelas autoridades competentes.Interligne 29

Ônibus no Lago Léman Crédito: AFP, Keystone

Ônibus no Lago Léman
Crédito: AFP, Keystone

Mergulho
Segunda-feira passada, pelas seis da manhã, um atônito transeunte avista um ônibus afundando no Lago Léman (Lago de Genebra), ao largo da cidadezinha de Vevey. Não é espetáculo corriqueiro.

Alertados, os socorros acorreram ao lugar. Após rápido inquérito, constatou-se que o ônibus turístico pertence a uma empresa da Macedônia ― uma das repúblicas surgidas na sequência da explosão da antiga Iugoslávia ― situada a 1750km de Vevey.

Ônibus no Lago Léman Crédito: AFP, Keystone

Ônibus no Lago Léman
Crédito: AFP, Keystone

Apurou-se que o ônibus tinha trazido um grupo de turistas para alguns dias de estada em Berna. O motorista, que tem familiares morando em Vevey, pediu autorização à empresa para passar um ou dois dias junto aos parentes.

Deixou os turistas em Berna e foi. Com o ônibus, naturalmente. À noite, deixou o veículo estacionado numa grande praça, bem em frente ao lago. O local tem um leve declive. É possível que, na ânsia de abraçar a família, o motorista não tenha puxado o freio de mão com força suficiente. O fato é que, vendo o nascer do sol e aquele lindo lago à sua frente, o ônibus não teve dúvida: decidiu dar um mergulho.

Ônibus no Lago Léman Crédito: AFP, Keystone

Ônibus no Lago Léman
Crédito: AFP, Keystone

Ninguém se feriu. A empresa despachou da Macedônia um outro veículo para resgatar os turistas em Berna.Interligne 29

Pra espantar assaltante
Na Suíça, o nível de criminalidade está (ainda) longe de atingir níveis brasileiros. Malfeitores procuram evitar confronto direto com a vítima. Preferem dedicar-se a furtos e a assalto de casas na ausência dos habitantes.

O dono de uma oficina mecânica das redondezas de Lucerna teve uma ideia original para dissuadir assaltantes de residências desocupadas. Você vai sair de férias? Tem medo que o «amigo do alheio» lhe faça uma visitinha enquanto estiver ausente? Que não seja por isso. O pequeno concessionário Andreas Birrer tem a solução.

Falsa viatura policial

Falsa viatura policial

Ele criou, de maneira assaz convincente, carros idênticos aos utilizados pela polícia. Com pintura, sinal luminoso no teto e todo o aparato. Basta combinar com ele e informar o dia em que você vai sair de férias. Uma viatura «da polícia» ficará estacionada bem em frente ao seu portão até a sua volta. O serviço sai por 250 francos suiços por semana, pouco mais de 400 reais.

Dado que a lei exige que carros de polícia sejam dirigidos por policiais, a falsa viatura será rebocada até seu portão. Na volta, repeteco: um guincho levará o veículo embora.

Indagados sobre a novidade, policiais ― verdadeiros ― acharam a ideia divertida. Mas não acreditam que os assaltantes se deixem enganar por muito tempo.Interligne 29

(*) Seguindo conselho de uma leitora, o blogue consultou o Centro Prisional de Champ-Dollon, em Genebra. A diretoria nos confirmou que, no rol dos inquilinos atuais, não figura nenhum ex-prefeito de São Paulo.