Conversa de surdo

Ursula von der Leyen & Luiz Inácio da Silva

José Horta Manzano

O funcionamento das instituições da União Europeia é complexo, totalmente diferente do sistema vigente em cada um dos 27 países membros. Cada uma das instituições tem sua própria organização e colabora com as demais instituições segundo um esquema bem definido.

As instituições da UE são sete:

  • O Conselho Europeu
  • A Comissão Europeia
  • O Conselho da União Europeia (ou “o Conselho”)
  • O Parlamento Europeu
  • O Tribunal Europeu de Contas
  • O Tribunal de Justiça da União Europeia
  • O Banco Central Europeu

Como em qualquer governo, cada instituição é independente, mas todas trabalham em harmonia.

O presidente Lula recebeu ontem a visita de Ursula von der Leyen, 14ª presidente da Comissão Europeia, com mandato de 5 anos. Essa comissão é o órgão executivo da UE. Para esclarecimento, o cargo da senhora von der Leyen equivale ao de Lula da Silva, dado que ambos são chefes do Executivo.

Não sei se Luiz Inácio foi avisado (espero que sim) que ele e a visita estavam falando de igual para igual, sendo ambos chefes do Executivo. Lula não recebeu a visita de uma funcionária qualquer.

A julgar pela foto, von der Leyen parece sentir-se mais à vontade do que Lula. Ela exibe um sorriso resplandecente enquanto ele faz cara de quem comeu e não gostou. Talvez excessos cometidos no almoço lhe tenham provocado engulhos. O paletó desabotoado poderia ser a confirmação dessa tese.

Quanto ao debate entre os dois, há de ter sido conversa de surdo. A visitante veio tentar, pela enésima vez, explicar a Lula que ficar em cima do muro, no caso da invasão russa da Ucrânia, é opção furada, que, além de não o enobrecer, o coloca como cúmplice de ditadores sanguinários. Isso pode trazer-lhe consequências inesperadas e desagradáveis.

Lula, não tendo apreciado voltar a esse assunto, preferiu cobrar a conclusão do tratado entre UE e Mercosul. Quem sabe von der Leyen tenha até se comprometido a mexer os pauzinhos. Só que ela não tem nenhum poder nessa decisão, que depende de ratificação do texto em cada um dos 27 parlamentos nacionais da UE. Mas talvez Luiz Inácio nem esteja a par desse detalhe.

Na minha visão, teria sido melhor que a presidente da Comissão Europeia tivesse conversado com Celso Amorim, o assessor especial de Lula para assuntos externos. Em matéria de relações exteriores, o posicionamento de nosso presidente tem trazido as digitais de Amorim.

Luiz Inácio nasceu dogmático, e há de morrer dogmático. Para ele, posicionar-se no campo oposto ao dos EUA é ponto de honra, coisa que não se discute. Que remédio?

Dois pra lá, dois pra cá – 2

Chamada – Folha de São Paulo

José Horta Manzano

Nem toda notícia sai nos jornais. A não ser que haja vazamento, comunicações “top secret” entre personagens dos altos círculos do poder (nacional ou internacional) passam longe das manchetes.

O caso dos falsos atestados de vacinação está aí para provar. A grande dúvida sempre foi se Bolsonaro tinha ou não tinha tomado vacina. Foi preciso a Polícia Federal quebrar certos segredos para descobrir o que ninguém jamais havia imaginado: no andar de cima, as autoridades que deviam cuidar do país estavam forjando atestados falsos de vacinação, como num filme noir francês em que falsários trabalham num subsolo, à meia-luz, fabricando dinheiro ilegal.

As inacreditáveis declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia horrorizaram os países democráticos. Em seguida, elas sumiram das manchetes. Mas não se engane! Nossos parceiros norte-americanos e europeus não se esqueceram nem pretendem deixar barato. Pressões irresistíveis devem estar atazanando Luiz Inácio, exortando-o a reconsiderar sua posição.

E é o que ele está tentando fazer. A contragosto, diga-se. Anda de banda feito caranguejo. Nessa matéria, age como quem fala mais por obrigação que por convicção. Percebe-se que está acuado, encostado à parede. Suas bravatas de moleque estão lhe custando caro.

Com meia dúzia de frases de botequim, Lula conseguiu destruir a imagem simpática e amena que o planeta havia guardado dele após dois mandatos e uma passagem pela casa prisão. Foi uma pena. Aquelas frases desgraçadas ecoaram forte e fizeram soar o alerta vermelho na chancelaria de todos os países democráticos.

Como é que é? Lula, o simpático pai dos pobres, que se posiciona do lado da Rússia de Putin e da China de Xi Jinping? Lula, o humanista, que desdenha a gravidade da invasão da Ucrânia e o sofrimento da população bombardeada? De repente, o posicionamento esdrúxulo de Luiz Inácio virou pesadelo para muitos dirigentes estrangeiros. E agora? Como encarar um Brasil que desliza para o lado obscuro da História?

Num primeiro momento, imaginei que, ao pronunciar as frases desconcertantes, nosso presidente estivesse num momento de mau humor ou talvez inebriado por estar de novo viajando de aerolula em terras estrangeiras. É incrível como dirigentes, quando estão longe de casa, se sentem à vontade para dizer besteira, na crença de que não haverá consequências.

Estes dias, dei de cara com o recorte que reproduzi acima, na entrada deste artigo. O jornal cita uma fala de Celso Amorim, nosso inoxidável “assessor especial de política externa”. Com a arrogante superioridade de quem está pra perder a paciência, o assessor informa que o Brasil pode até se dignar de socorrer os beligerantes, mas só o fará quando ambos “se cansarem da guerra”.

Além de exalar soberba, a frase é de uma maldade inominável. Amorim renega seu passado de diplomata de alto nível e desce ao nível do chefe. Luiz Inácio disse que “quando um não quer, dois não brigam”. Agora vem seu “assessor especial” prometer ajuda quando país agressor e país agredido “se cansarem de guerra” – frase terrível de desdém pela infelicidade de um povo agredido. Uma falta de empatia tão grande choca.

Meditei. O que estará ocorrendo? Será que as tristes falas de Lula já refletiam, desde o começo, o ponto de vista do “assessor especial”? Se assim for, Lula agiu como papagaio de Amorim. Ou será que, para agradar ao chefe, o “assessor especial” é que teria jogado ao lixo os ensinamentos angariados nos tempos em que era diplomata, para adotar o antiamericanismo primitivo de Luiz Inácio?

Seja como for, o retrato é dramático. Um presidente escorrega feio, leva um pito internacional e tenta recuar andando de costas com visível desconforto. Na contramão, um “assessor especial” volta de uma visita a Kiev requentando as besteiras do chefe e colocando-as de volta no balcão das “commodities” brasileiras. Para que todos vejam.

São dois pra lá, dois pra cá. Até que não seria dramático se o papel de nosso país na cena internacional fosse dançar bolero. Mas, na medida que o Brasil abandona aliados e se aproxima de Estados criminosos, nosso desempenho está mais pra valsa do adeus.