Os disparates de Lula

by Sam Jovana, desenhista mineira

José Horta Manzano

Os disparates de Lula parecem suaves se comparados aos de Bolsonaro. Assim mesmo, embora pronunciados em linguagem decente, não deixam de ser disparates. Tenho às vezes a impressão de que Lula nunca antes atravessou um período de graça como o momento atual.

Aquele meio Brasil que viu na sua eleição uma luz no fim do túnel está aliviado e leniente com suas primeiras besteiras. Esse contingente de brasileiros tende a ser condescendente com as escorregadelas do novo presidente. São eleitores que reagem como se o Lula fosse um iniciante na política, um eleito de primeiro mandato.

Quanto à outra metade do Brasil – os eleitores que votaram em Bolsonaro – é de imaginar que o comportamento do ex-presidente derrotado não tenha agradado. O Datafolha ainda não publicou nenhuma pesquisa a respeito, mas Bolsonaro deve ter deixado um contingente de decepcionados. Sua fuga para o exterior é um crime de abandono de incapazes.

Tanto faz que o chefe seja chamado de Führer, Duce, Conducător, Caudillo, Comandante ou Mito – o próprio de uma seita extremista é a devoção incondicional ao messias. Ele concentra todos os atributos: a sabedoria, o discernimento, a força e a coragem. Um Führer que fraqueja, foge, se esconde no exterior, e deixa os devotos ao deus-dará é uma paulada na moleira. Um contrassenso. Um golpe duro. Um tranco capaz de abalar toda a paróquia.

Isso me faz acreditar que, frustados com o comportamento do líder, muitos dos que votaram nele estão atualmente menos propensos a se opor com veemência a Lula. O Mito fugido nem ao menos apresentou uma boa desculpa para a atitude. Se estivesse sob mandado de prisão, por exemplo, seria compreensível. Mas não há, por enquanto, nenhuma medida decretada contra ele. Se não volta, é porque não quer.

Voltemos agora ao período de graça do Lula. Acho que ele, inebriado com a renovada sensação de poder, não está percebendo que o tempo passa rápido e o tempo de bonança está escorrendo por suas mãos. A ampulheta é implacável.

Ele já disse que respeitar regras fiscais é bobagem. Já levantou o espantalho de nova moeda a ser compartilhada entre Brasil e Argentina. Já tratou seu antecessor de genocida, igualando-se a ele em despudor. Já prometeu financiamento para a exploração de gás na Argentina, quando o Brasil tem milhares de obras paralisadas. Mais de uma vez, já chamou Temer de ‘golpista’. Já repetiu que o impeachment de Dilma foi ‘golpe’, uma distorção da verdade histórica.

Eu me compadeço de um Lula que, aos 75 anos, culpado ou não, purgou 580 dias de cárcere. Compreendo que essa privação de liberdade tenha deixado ressentimentos. Mas não acredito que seja este o melhor momento para esconjurar velhos rancores. Os brasileiros, que anseiam por um ar puro e livre de miasmas, não merecem ser bombardeados com patacoadas.

Presidente, não estrague essa “janela de oportunidades” – como se diz hoje em dia – com declarações ruidosas e desnecessárias. Chega de poluição declaratória. Vá direto ao ponto. Dê aos brasileiros o que eles estão precisando receber.

Como se dizia antigamente: “Ô Lula, aproveita enquanto o Brás é tesoureiro, que essa sopa vai acabar!”(*)

(*) Em outras versões desse sábio ditado, o polivalente Brás é carcereiro.

O imperador do Japão

José Horta Manzano

Numerosos pontos ligam Bolsonaro e Lula, os dois principais concorrentes às presidenciais de outubro. Um ponto importante é o fato de ambos serem homens do passado.

Bolsonaro continua a viver com os pés fincados nos anos de chumbo que o Brasil viveu quando eram os militares que davam as cartas. Ele imagina ressuscitar a ditadura. Aliás, na sua cabeça, não é bem assim – a questão não é nem de reimplantar o sistema que vigorou no Brasil de 1964 a 1985.

De fato, por mais autoritário que fosse o regime daquela época, até que havia certa rotatividade no topo do Executivo. Do 31 de março até a eleição de Tancredo, cinco generais se sucederam no comando da nação.

Na cabeça de nosso aprendiz, não é assim que deve funcionar. Ele imagina ser guindado à cabeça de um regime sem rotatividade, sem alternância, sem mudança. Pretende permanecer no topo sozinho, como um Führer, um Duce, um Conducător, um Lider Máximo. Até a queda final, que pode ser por deposição ou coisa pior. Tudo que sobe acaba caindo um dia. Mas cada um se ilude como pode, não é mesmo?

Lula, nesse ponto, não pensa igualzinho a Bolsonaro. Por ter exercido a Presidência – pessoalmente ou por procuração – durante 14 anos, já perdeu as ilusões. Os quase 600 dias de cadeia lhe ensinaram que, quanto mais alto for o coqueiro, maior será o tombo. Sua parecença com Bolsonaro, em matéria de ligação com o passado, é forte, mas não se pode dizer que sejam idênticos.

Lula, que alguns dizem ser esperto como raposa, não quer (ou não consegue) entender que o mundo mudou. Não estamos mais nos anos 1970, em que ele subia numa caixa de sabão à frente da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, fazia um discurso inflamado para os companheiros, dizia o que lhe passava pela cabeça, e tudo ficava por isso mesmo. Ele ainda não se compenetrou de um fator inexistente à época mas fortíssimo hoje: o politicamente correto.

Nascido nos EUA anos atrás e potencializado por internet e redes sociais, a tendência a se exprimir de maneira politicamente correta impõe linguagem pasteurizada, isenta de palavras e expressões que possam, de perto ou de longe, ser consideradas ofensivas por esta ou aquela categoria de cidadãos.

Outro dia, Lula dircursou numa cerimônia de um partido chamado Solidariedade. (Abram-se parênteses: Este blogueiro acredita que todos os partidos deveriam se chamar Solidariedade. Afinal, ser solidário deveria ser a característica maior de todo afiliado. Fechem-se os parênteses) Lula sabe que muitos, neste país, acalentam o sonho de implantar o semipresidencialismo. No afã de demolir essa ideia que o horroriza, tirou do bolsinho uma metáfora infeliz. Referiu-se ao imperador do Japão de forma depreciativa.

Ato contínuo, uma torrente de críticas desabou. Deputados petistas se sentiram incomodados. Até (ou principalmente) a comunidade japonesa ressentiu-se da menção desairosa.

Sabe-se que história e geografia não são ocupam lugar preferencial nos parcos conhecimentos de nosso guia. Sabe-se que, apesar de ter passado 8 anos como presidente do país, outros assuntos devem ter lhe parecido mais interessantes – afinal, ler e estudar dá uma preguiça! História, geografia e geopolítica ficaram de fora.

Vai aqui um conselho ao Lula. Dificilmente ele lerá estas linhas, mas algum assessor bem-intencionado talvez possa transmitir-lhe a ideia.

Ô Lula! Da próxima vez que vosmicê quiser trazer a imagem de um homem poderosíssimo, use uma figura que não existe, mas que impressiona. Aqui estão algumas metáforas que não vão incomodar ninguém:

Ele age como se fosse o sultão de Samarcanda!

Ele pensa que é o imperador da Quirguízia!

Ele se acha o emir da Mongólia!

Deixo aqui a pista. Seus assessores certamente encontrarão outras variantes, que é pra não bater sempre na mesma tecla.

Aproveite, que conselho meu é grátis e desinteressado. Como dizia um irmão meu, “se é de graça, até injeção na veia”.

Relíquia de um passado tenebroso

José Horta Manzano

Você sabia?

No fim dos anos 1930, a alemã Mercedes-Benz já aparecia entre as montadoras mais prestigiosas. Orgulho da indústria teutônica, foi a ela que o ditador Adolf Hitler ecomendou um automóvel vistoso, dotado de todas as maravilhas que a técnica da época tinha a oferecer.

Em 1939, um deslumbrante bólido foi entregue ao chanceler. Era um conversível com motor de 7,7 litros distribuídos por oito cilindros. A velocidade podia ultrapassar incríveis 160km/h ‒ não nos esqueçamos que o carro foi construído 80 anos atrás. Lataria e vidros blindados completavam o conjunto.

O automóvel serviu ao «Führer» em viagens de propaganda, como a que fez em 1940 à Paris conquistada. Foi usado também em desfiles e na recepção de visitantes ilustres. A última vez que foi visto em público foi em 1943. A partir daí, o fio da história se embaraça. Parece que foi confiscado pelo exército americano sem que se soubesse a quem tinha pertencido.

Terminada a guerra, perdeu-se o rastro do mastodonte. Trinta anos mais tarde, já em 1976, eis que o Mercedes-Benz reaparece, desta vez numa oficina americana de revenda de carros usados. Após verificação, ficou constatado que se tratava realmente do bólido do ditador nazista. O carro ainda trocou diversas vezes de dono. Foi vendido em leilão, pertenceu ao dono de um cassino de Las Vegas, voltou à Europa ‒ uma maratona.

A firma Worldwide Auctioneers, especializada em comércio de automóveis antigos e de coleção, anuncia que o Mercedes que pertenceu a Hitler será leiloado dia 17 de janeiro próximo, na venda anual que terá lugar em Scottsdale (Phoenix), Arizona.

Eu não queria nem de graça. O carro ainda deve estar impregnado de fluidos peçonhentos. Mas há quem não ligue pra isso. Os interessados encontrarão facilmente as coordenadas da firma na internet. Favor dirigir a eles toda pergunta. O lance mínimo não foi publicado, mas barato não será. O carro está com pinta de novo.

Pra desencargo de consciência, o leiloeiro já anunciou que destinará 10% do valor auferido a uma instituição dedicada ao estudo e à prevenção de tragédias como a Shoah ‒ massacre de judeus durante a Segunda Guerra.