José Horta Manzano
Você sabia?
Na Idade Média, os grandes profissionais especializados eram dois: o ferreiro e o moleiro (ou moendeiro, ou moageiro). Todo vilarejo maiorzinho tinha sua forja e seu moinho. O ferreiro era aquele que, sabendo trabalhar o ferro, fornecia ferraduras, enxadas, caldeirões, pregos e todos os petrechos metálicos. O moleiro era o dono do moinho que, tocado pela força do vento ou da água corrente, permitia moer trigo e fabricar farinha.
Tirando esses profissionais maiores, praticamente todos os demais aldeães eram autossuficientes e praticavam agricultura de subsistência. No entanto, havia certos trabalhos que um homem não era capaz de executar sozinho. Construir uma casa, por exemplo. Nessas horas, precisava da ajuda de vizinhos, parentes e conhecidos. Todos punham a mão na massa. Quando a casa ficava pronta, a tradição mandava que o dono oferecesse uma festa aos que haviam ajudado. Era a forma de agradecer.
Junto a uma das paredes da casa, estava instalada a lareira encimada pela respectiva chaminé para evacuação da fumaça. O calor da lenha queimada tanto servia para aquecer a morada como para cozinhar a sopa. O caldeirão pendia da viga mestra sustentado por uma corrente de ferro. Para aumentar a fervura, baixava-se o caldeirão, aproximando-o do fogo. E vice-versa, quando era necessário fogo brando.
Quando a casa ficava pronta, o último apetrecho a ser instalado era justamente a corrente que sustentava o caldeirão. Era sinal de que a morada podia ser habitada. Era hora de oferecer uma refeição de festa aos que haviam dado uma mão. Em terras francesas, esse costume gerou uma expressão: «Pendre la crémaillère» ‒ pendurar a corrente.
Hoje, já não se cozinha em caldeirão de ferro pendurado na viga mestra, mas a expressão permaneceu. Quando alguém se muda de casa, organiza uma festinha para os amigos e manda convites para comparecerem à «pendaison de la crémaillère» ‒ a pendura da corrente.
Com pequenas diferenças, a inauguração de casa nova mantém a simbologia e continua sendo ocasião de festinha (ou festança) até hoje em muitos lugares do mundo. Os americanos dão às festividades o nome de «house-warming party» ‒ festa de aquecimento da casa. Vem do antigo costume de cada convidado trazer um feixe de lenha para a lareira. O aquecimento tanto servia no sentido próprio de trazer calor ao ambiente quanto no sentido simbólico de afugentar maus espíritos.
Alemães (Richtfest) e escandinavos (Inflyttningsfest) também organizam festa nessa ocasião. No Brasil, o equivalente é a Festa da Cumeeira(*). Costuma traduzir-se por churrasco dedicado aos artesãos que construíram a casa. É oferecido logo após a colocação da fieira de telhas que coroa a viga mestra.
(*) Cumeeira é o ponto mais elevado do telhado, a linha que marca a repartição entre duas águas.
Artigo publicado originalmente em 8 out° 2017.