Apontando soluções

by Renato Luiz Campos Aroeira, desenhista carioca

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Como todos sabem, brasileiro é sempre muito bom para apontar os principais problemas do país mas não costuma se esforçar muito para encontrar soluções para cada um.

Tendo em vista o desânimo generalizado com as crises sanitária, econômica, social e política que vêm atrapalhando nosso sono, decidi sugerir algumas alterações no comando dos ministérios que poderiam ajudar a nos tirar do buraco em que nos metemos acidentalmente.

Convido a todos para acrescentarem suas próprias percepções e sugestões. Alerta importante: todas as indicações têm de ser feitas com base na expertise de cada ministro; apenas nomes técnicos serão considerados.

Mãos à obra:

  • Tira o Ernesto Araújo e põe o Pazuello nas Relações Exteriores: Ué, não é uma questão de logística colocar embaixadores em postos estratégicos para convencer os organismos internacionais multilaterais (como a ONU e a OMS) e os líderes do G-20 que o Brasil é exemplo de controle da pandemia? Pode ser que ele confunda a Albânia com a Alemanha (um lapso compreensível, considerando que o nome de ambos os países começa com Al), mas pra tudo dá-se um jeito no final, pode acreditar. Outro benefício é que ninguém vai nem notar a mudança de chefia do Itamaraty; afinal, esses dois países são comunistas e nós não queremos mesmo estreitar relações com essa gente.
  • Tira o Guedes e põe Salles na Economia: Ué, ele não é especialista em passar a boiada enquanto a imprensa está preocupada com o mimimi do negacionismo de Bolsonaro? Aproveita e deixa passar as reformas tributária, administrativa e política.
  • Tira a Damares e põe ela no Meio Ambiente: Ué, mulher sabe cuidar muito melhor das plantinhas.
  • Tira o Milton Ribeiro e põe o Augusto Heleno na Educação: Ué, ele não é especialista em segurança institucional? Quer área mais crítica que a educação para garantir que o futuro do país vai estar mais seguro nas mãos de um militar? Além disso, ele vai saber educar melhor nossa juventude a respeito da oportunidade e funcionalidade da decretação de um novo AI-5.
  • Tira o Marcos Pontes e coloca ele no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: Ué, ele já foi pro espaço e, portanto, já sabe que a terra é redonda, né? Por isso, ele vai ser muito útil para modernizar as diretrizes do ministério e colocar o Brasil de volta na rota da Renascença, em especial no que tange aos direitos humanos. Além disso, ele vai poder aplicar novas tecnologias na área dos direitos reprodutivos da mulher.
  • Tira a Teresa Cristina e põe ela no Ministério da Saúde: Ué, lá ela vai poder falar com muito mais propriedade sobre os efeitos benéficos dos gases estufa e dos agrotóxicos para fazer avançar os limites das áreas destinadas à pecuária e garantir uma alimentação mais farta e mais diversificada para as populações mais carentes, sem ter de pagar muito por isso. Além disso, ela deve ter muito mais experiência na vacinação em massa…mesmo que de bovinos.

Pronto, aí está. A lista de trocas sugeridas pode não ser exaustiva, mas certamente servirá de inspiração para a indicação de novas alterações ministeriais.

Nota para os pessimistas de plantão: Se nenhuma dessas trocas funcionar tão bem na prática quanto imagino, sugiro que se tire Bolsonaro e se coloque a neozelandesa Jacinda Ardern na presidência. O quê?? Não pode porque ela não foi eleita vice na chapa de 2018? Bobagem! Nada que o STF não dê um jeitinho, né não?

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Dinheiro vivo

José Horta Manzano

Você sabia?

Na Idade Média, dinheiro era raro, pelo menos sob a forma como o conhecemos hoje. Notas, não havia. Moedas, que eram poucas, circulavam mal e não atendiam as necessidades do comércio. Ainda que a economia fosse de subsistência ‒ cada um se alimentava do que plantava ‒, havia artigos que nem todos podiam fabricar em casa.

Para produzir objetos de ferro, por exemplo, precisava ter uma forja. O ferreiro era o especialista. Cavalo tem de ser calçado com ferradura. Todo dono de cavalo dependia das artes do ferreiro. O lavrador podia até plantar trigo, cevada ou outros cereais, mas não tinha meios de transformar a produção em farinha. Precisava dos serviços do moendeiro, o dono do moinho.

Sem moedas e sem notas, como pagar? A solução é velha como o mundo: o escambo. Trata-se da permuta de uma mercadoria por outra ou por um serviço. Eu lhe dou uma galinha e você, em troca, ferra meu cavalo.

Mercadorias mais comuns ‒ ovos, galinhas, legumes ‒ tinham pouco valor. Quanto mais raro fosse o artigo, mais valia. Numa época em que não havia avião e navios ainda não davam volta ao mundo, produtos exóticos eram raros e, por isso mesmo, muito apreciados. As especiarias vindas do Oriente estavam no topo da preferência.

Pimenta do reino, canela, gengibre, cravo, noz moscada, cardamomo & companhia entravam nessa categoria. A culinária da Idade Média europeia não era lá muito criativa. Sopas e pratos cozidos insossos com aparência de mingau dominavam. Os temperos davam realce à sem-gracice dos cozidos. Um punhado de pimenta valia um galinheiro inteiro.

Em francês medieval, «espèces» eram as especiarias. Enquanto o povão comerciava pagando com ovos e galinhas, os ricos pagavam com «espèces», produtos bem mais valiosos.

O advento das caravelas, que traziam as preciosas especiarias do Oriente, coincidiu com o início da formação dos Estados na Europa. Estados têm o direito e o poder de cunhar moeda. Com o passar dos séculos, a circulação de dinheiro se intensificou e foi, aos poucos, aposentando o escambo. Mas a expressão ficou e perdura até hoje, sabia?

Quando falamos em «pagamento em espécie», estamos utilizando, sem nos dar conta, uma relíquia de tempos idos. No entanto, diferentemente de certos usos do Brasil atual, o homem medieval, ainda que pagasse com espécies, não costumava carregar pimenta na cueca.

Nota
Especiarias, épices, spezie, spices, специя(spetsia) ‒ o nome da família aromática se espalhou por numerosas línguas europeias.