Dividir para reinar

José Horta Manzano

Dividir para reinar. Os registros mais remotos dessa máxima vêm da antiguidade grega. Dois milênios mais tarde, foi adotada pelos latinos como «Divide ut regnes». Mil anos depois, Maquiavel acudiu-se dela sob a forma «Divide et impera». E não é que a máxima chegou até nossos dias? E olhe que continua valendo sem arredar. Exprime o exato oposto de nosso conhecido «unidos, venceremos».

O atual quiproquó(*) entre Trump e Putin deixa alguns preocupados enquanto enche outros de esperança. Levando em conta que ‘onde tem fumaça tem fogo’, a esquizofrênica troca de acusações e de gentilezas entre os dois líderes não é anódina. Há de haver um fundo de verdade nessas declarações de amor e ódio. Desde o fim da Guerra Fria, trinta anos atrás, não se via tamanho morde e assopra entre os líderes das antigas superpotências.

putin-trump-xi-jinpingPutin, matreiro como raposa, há de ter julgado que a eleição de Trump, populista meio bobão, seria proveitosa para a Rússia. É de crer, portanto, que tenha tentado influir nas eleições americanas. A suposição está longe de ser absurda.

E não é só: o mandachuva de Moscou pode muito bem ter ido além. Como antigo dignitário dos serviços secretos soviéticos, aprendeu a pegar cada um por seu ponto fraco, especialidade da casa. Trump é mulherengo, todos sabem disso. A existência de vídeos comprometedores do quase empossado presidente é arma poderosa, que Putin pretende usar, com parcimônia, em proveito próprio.

Enquanto isso… a milhares de quilômetros de Washington e de Moscou, senhor Xi Jinping, provavelmente o líder chinês mais poderoso desde Mao Tsetung, enche-se de júbilo. O comércio internacional já se tornou jogo de cartas marcadas, em que a China sai sempre ganhando. Essas são favas contadas. Mas o domínio do comércio não basta para levar um país ao topo do pedestal. Há outros requisitos.

by Marine Fargetton, artista francesa

by Marine Fargetton, artista francesa

Enquanto Trump e Putin trocam amabilidades e sopapos, que faz Xi Jinping? Já programou visita ao Forum Internacional de Davos (Suíça), marcado para a semana que se inicia. Pragmático, o líder chinês vem reafirmar que seu país mudou, que se tornou economia aberta, que está no mesmo nível dos demais países. Ninguém acredita muito, mas a economia mundial não vive de ideologia, mas de dinheiro. A presença do chinês na meca dos donos do dinheiro só pode ser benéfica para seu país.

Mr. Xi, ao ignorar o bate-boca entre EUA e Rússia, age como abre-alas da entronização de seu país como economia de mercado. Segue à risca outra máxima: «Os cães ladram e a caravana passa.»

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(*) O desastroso AO-90 ‒ acordo ortográfico firmado quase trinta anos atrás entre Brasil, Portugal e mais alguns pequenos países onde se fala, em certa escala, alguma variante da língua lusa ‒ cassou o direito de existir do simpático trema. Certas sumidades, julgando-se donas da língua, suprimiram o diacrítico. O resultado já se faz sentir.

O ensino do latim na escola regular tendo sido banido, os mais jovens não estão familiarizados com o que a língua dos césares nos legou. Quiproquó costumava escrever-se «qüiproquó». Na hora de ler, mesmo sem conhecer a palavra, ninguém se enganava. Todos liam «kuiprokuó». Já não é mais assim. Deve ter muita gente por aí lendo «kiprokó», que soa como nome de ilha grega.

Não é o caso, naturalmente, de nenhum de meus cultos leitores. Todos sabem que a expressão latina qüiproquó traz a ideia de «isto por aquilo», «uma coisa pela outra». Em suma, uma confusão.

Mercado persa

José Horta Manzano

Futebol 1Nos últimos anos, as relações exteriores estão longe de ser o foco das atenções do Planalto. Na era do Lula, ações desengonçadas foram tentadas. Jogo de futebol para apaziguar a guerra entre palestinos e israelenses foi o truque imaginado por nosso iluminado guia, vejam só! Depois dessa, levaram um chega pra lá e recolheram-se a seu canto.

Por natureza, diplomacia é discreta. Dispensa ações espetaculosas. Grandes acertos entre nações não se fazem diante das câmeras nem na presença de jornalistas. Quando vem o comunicado oficial, já está tudo combinado.

O Lula, crente que possuía um «toque de Midas» capaz de moldar a realidade à sua conveniência, levou oito anos tentando deixar sua marca na história da humanidade. Não é impossível que tenha, algum tempo, acalentado a ideia de receber um prêmio Nobel. Em qualquer categoria servia, nem que fosse honoris causa. Evidentemente, não recebeu nada, que nem todo o mundo é trouxa.

Recolhido nosso guia à condição de cidadão comum, sua sucessora mostrou total inapetência – pra não dizer desdém – pela política internacional. A seu favor, diga-se que a moça tem tido muito com que se preocupar dentro das fronteiras.

Itamaraty

Esse desprezo do Planalto por assuntos externos, longe de ser negativo, começa a dar frutos. Afinal, convenhamos: dona Dilma, seus áulicos e seu partido lidam com relações exteriores, aos trancos e barrancos, há apenas doze anos. Enquanto isso, o Itamaraty carrega dois séculos de experiência no ramo. O traquejo de um e do outro não é comparável.

Quase na surdina, como se deve, o ministro das Relações Exteriores do Brasil está, este fim de semana, em Teerã. Não foi propor partida de futebol nem associação ao Mercosul. A visita é mais séria. No rastro do aquecimento das relações entre os EUA e o Irã, a perspectiva alvissareira é o fim do embargo que estrangula a economia da potência médio-oriental há 35 anos.

Poucos se dão conta de que o Irã – que também pode, sem ofensa, ser chamado pelo tradicional e poético nome de Pérsia – é um grande país. Tirando fora o regime autoritário, que ressuscitou costumes que a gente imaginava banidos para sempre, é uma nação de peso. Regimes passam, nações ficam.

Iran 1São 80 milhões de habitantes (tanto quanto a Alemanha). O PIB anual, estimado em 12 mil dólares per capita, está longe de ser irrisório. Para efeito de comparação, o Brasil chega a 16 mil dólares por cabeça, pouca coisa a mais. Uma curiosidade: o nome da moeda persa é rial, palavra que tem a mesma origem que nosso real – a moeda do rei.

Na mídia brasileira, a visita do chanceler Mauro Vieira não mereceu mais que nota de pé de página. A notícia, contudo, não escapou a países que estão de olho no imenso potencial do mercado iraniano pós-embargo. Entre eles, naturalmente, a China.

Teerã

Teerã

O fato de a agência oficial chinesa ter publicado artigo sobre o assunto mostra que o governo de Pequim está atento a todos os que tiverem intenção de levar uma lasquinha do novo mercado.

Quanto à agência oficial iraniana, já pôs no youtube a coletiva de imprensa dada hoje pelo ministro brasileiro e pelo homólongo persa. Está aqui.