Ecos do G7

José Horta Manzano

Artigo publicado no Correio Braziliense de 27 maio 2023


“Nós, os líderes do Grupo dos Sete (G7), […] estamos tomando medidas concretas para apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário em face da guerra ilegal de agressão da Rússia.”


Essas são as primeiras palavras do comunicado final da cúpula do G7, havida recentemente em Hiroshima. O longo texto, firmado pelos dirigentes das democracias que integram o grupo, se estende por 19.000 palavras distribuídas em 66 tópicos. A abrangência do documento é vasta: valores comuns, não proliferação de armas nucleares, tensões na região indo-pacífica, economia global e dezenas de outros pontos. Assim mesmo, a menção à “guerra de agressão da Rússia” em primeiríssimo lugar mostra a importância que ela assumiu aos olhos das democracias mais maduras.

O Brasil, em nome de sabe-se lá que doutrina, está em dissonância com a unanimidade exibida pelas três dezenas de países que compõem o dito “Ocidente”. Em março passado, comentando decisões estabanadas do governo brasileiro, uma agência de notícias comentou: “Nas últimas semanas, o Brasil de Lula enviou uma delegação à Venezuela, recusou-se a assinar uma resolução da ONU condenando as violações dos direitos humanos na Nicarágua, permitiu que navios de guerra iranianos atracassem no Rio de Janeiro e recusou-se a enviar armas para a Ucrânia, em guerra com a Rússia”. Como se vê, depois do calamitoso quadriênio Bolsonaro, o Brasil é escrutado com atenção.

Quanto à guerra na Ucrânia, Lula permanece mergulhado num negativismo obstinado, incapaz de enxergar a realidade cristalina: a Ucrânia, país independente, livre e soberano, foi brutalmente invadida por tropas russas, em guerra de conquista territorial. Parece que Luiz Inácio (e assessores) são os últimos que resistem a admitir isso. Nosso presidente insiste em enroscar-se com declarações tiradas do bolso do colete. Já disse que “a decisão pelo conflito foi tomada por dois países”, um descalabro. Referindo-se à Crimeia, já declarou que “a Ucrânia, também, não pode querer tudo”, outra barbaridade. “Não cabe a mim decidir de quem é a Crimeia ou o Donbas”, declarou um Lula esquecido de que o Brasil foi um dos primeiros, trinta anos atrás, a reconhecer a Ucrânia, dentro de suas fronteiras oficiais.

Luiz Inácio persiste em apregoar sua crença num mundo multipolar, sem potência dominante. Sua guerra particular contra o dólar americano mostra isso. Quer Lula goste ou não, sua sonhada utopia está cada dia mais longe. A impressionante evolução da China, impensável vinte anos atrás, embaralhou as cartas do jogo mundial. Os EUA não estão em declínio, apesar do que Lula da Silva possa almejar. A Rússia, essa sim, tem decaído. Portanto, não é preciso consultar uma bola de cristal para saber como será o equilíbrio de forças nas próximas décadas: teremos a volta da guerra fria – que já aponta na esquina. De um lado, a China e seus aliados; de outro, os Estados Unidos e o “Ocidente”.

O país de Putin, empobrecido, desprestigiado e privado de projeção internacional, será fatalmente atraído para a órbita da China, país do qual está se tornando vassalo. Sem o amparo chinês, a Rússia teria enorme dificuldade para sobreviver. Essa nova e previsível divisão do equilíbrio mundial entre dois polos (EUA e China) está por trás da intensa movimentação da diplomacia comercial mundial destes últimos anos. Países de peso territorial, populacional e econômico estão sendo cortejados. Está aí a razão do convite de participação estendido a Brasil, Vietnã, Indonésia, União Africana, Coreia do Sul e outros.

Lula já deu um grande passo ao declarar, em discurso oficial no G7, que o Brasil condena a violação do território da Ucrânia. Por fim, um posicionamento menos inquietante. O bom senso informa que nosso país, por sua história, língua e cultura, faz parte do mundo ocidental. Por mais que respeitemos a civilização chinesa e a russa, não descendemos de lá. A árvore genealógica de nosso povo nos prende ao mundo atlântico, na encruzilhada África, Europa e América.

Lula e o Itamaraty precisam reconhecer que um país invadido por tropas estrangeiras tem o direito (e o dever) de se defender. Ajudá-lo a repelir o invasor não é “tomar um lado”; é respeito ao direito internacional.

Presidente! Deixe de lado a vaidade de ser aquele que pôs fim à guerra – quimera que não se realizará. Mostre empatia para com os infelizes ucranianos e reponha o Brasil nos trilhos da civilização! O futuro vai lhe agradecer.

Clube de amigos?

José Horta Manzano

Está difícil captar a lógica de Lula da Silva no caso da guerra que a invasão da Ucrânia por tropas russas provocou. Analistas de todos os quadrantes – inclusive este escriba – têm atribuído o bizarro comportamento de Lula a diferentes causas: antiamericanismo primário, desejo de ficar na história como aquele que parou uma guerra, necessidade de ser visto como pacificador planetário.

Talvez as palavras e os gestos de nosso presidente reflitam um pouco de cada uma dessas razões. Mas tem mais. Um curto vídeo rodado na abertura da reunião da qual participaram todos os líderes (os do G7 e os de países convidados) revela que, à entrada de Zelenski, todos se levantaram e se dirigiram para acolhê-lo. Lula, fingindo estar entretido na leitura de um documento, nem ergueu a cabeça. Ficou sentado como se tivesse entrado a moça do café.

Lula da Silva não é homem culto. Mas também bobo não é. Se ele tivesse a intenção sincera de “levar a paz” àquela região e minorar o sofrimento de seus inocentes habitantes, sua atitude certamente seria outra. Ao ver, a dois metros de distância, entrar o líder de um dos países em conflito, teria se levantado imediatamente para saudá-lo, apertar-lhe a mão e soprar-lhe no ouvido: “Logo mais, vamos conversar”.

Não foi o que ele fez. Ao se fazer de estátua enquanto o resto dos líderes recepcionava o visitante, deu um recado: “Não vou porque não quero”. Pode-se traduzir por uma frase que criança usava antigamente: “Não sei quem é esse aí, não quero saber e tenho raiva de quem sabe”.

Em suma, o desaforo que Lula fez a Zelenski não foi gratuito. Tem um motivo, mas qual?

Lula aparenta ter ficado extremamente irritado com a presença do convidado surpresa. Zelenski, popstar conhecido e famoso no mundo todo, ofuscou o papel de protagonista que Lula imaginava assumir. Roubou-lhe a cena. O mau humor de Luiz Inácio é a face visível do ciúme e da raiva que lhe roem a alma.

Dá pra imaginar que, no fundo, o “clube de amigos” que poria fim à guerra na Ucrânia não era o objetivo maior de Lula. Se fosse isso, Luiz Inácio teria agarrado a ocasião de dar um forte abraço no líder do país invadido. O grande objetivo de Lula era dominar a cena do festival, como fazia nos bons tempos em que era “o cara” de Obama. No fundo, para quem dizia querer criar um “clube de amigos”, o procedimento de Lula foi inamistoso e revelou sua falta de sinceridade.

Pois é, os tempos mudaram, mas Luiz Inácio esqueceu de evoluir. A continuar assim, periga nem ser convidado para o G7 do ano que vem.