Conspiracionismo

José Horta Manzano

Tenho uma amiga que fazia anos que eu não via. Dia desses nos reencontramos. Conversa vai, conversa vem, depois dos patati e patatá, ela solta a pergunta:

– Você se vacinou?

– Vacinou? Contra o quê?

– Contra a covid.

– Ah, claro! Tomei as quatro doses assim que saíram na praça.

– Pois eu não me vacinei – me diz ela.

– Não? E por que não?

– Sou antivacina.

– Hã? Antivacina? Você está brincando, né?

– Brincando nada. Você não percebeu que essa história de covid é um grande engodo? Pra começar, essa epidemia não foi tão séria quanto a mídia quer nos fazer crer, foi bem mais suave. Não morreu tanta gente assim, só pessoas que já tinham doenças graves. Tanto a covid quanto a vacina fazem parte de uma grande conspiração para diminuir a população do planeta!

– Não posso imaginar que você acredita nessas teorias conspiracionistas.

– Veja bem: todos os que se vacinaram acabaram pegando a doença. Quer prova maior?

Estonteante, não? Em pleno 2023, quase quatro anos depois que a epidemia surgiu, tem gente negando que ela tenha existido. E garantindo que tudo não passou de uma tentativa de diminuir a população do planeta. Barbaridade!

Eu sabia que havia algumas bolhas de indivíduos conspiracionistas, mas não imaginei ter um espécime a meu redor.

E olhe que a amiga em questão não é uma pessoa atrasadona. Já está na idade madura, casou, teve filhos, descasou, viajou muito, morou em três ou quatro diferentes países, fala línguas, continua viajando duas ou três vezes por ano para passar uns tempos com uma filha que vive num país da Ásia Central, daqueles que terminam com “istão”.

Considerando esses antecedentes, percebo que ideias conspiracionistas podem germinar em qualquer um. Isso explica a quantidade de gente que segue ideias de extrema direita. Pensamentos estranhos podem ocorrer a gente normal, sem problemas, de boa formação cultural, com diploma no bolso e nome na praça.

Ignoro qual seja o mecanismo que leva a pessoa a negar a existência de fatos evidentes. Mas há muito negacionista por aí. Há quem afirme que as câmaras de gás dos campos de concentração nazistas jamais existiram. Há quem acredite que Getúlio Vargas não morreu em 1954. Há ainda quem jure que o acidente de carro que matou Juscelino Kubitschek em 1976 foi atentado.

Para qualquer fato real, sempre aparecerá quem o negue, ainda que se trate de evidência documentada, fotografada, gravada, comprovada, jurada e sacramentada. Daqui a algumas décadas, ainda é capaz de aparecer que acredite que a guerra na Ucrânia nunca existiu, que tudo não passou de escaramuças de fronteira, combates sem importância.

Guinada à direita extrema

José Horta Manzano

Estes últimos anos, a Europa tem sido palco de forte afluxo migratório composto pelos que fogem de situações de conflito e pelos que simplesmente buscam um futuro melhor. Nem sempre é fácil fazer a distinção entre os perseguidos pela guerra e os que fogem da fome. Se bem que, no fundo, são todos fugitivos. É legítimo que todo ser humano busque melhores condições de vida.

No entanto, por maior que seja a benevolência, o volume de clandestinos que chegam diariamente é tão elevado que causa problemas. Os recém-chegados desconhecem a língua e os costumes do país que os acolhe. Muitas vezes, professam religião diferente e raramente têm formação profissional. Acabam se sentindo como se tivessem desembarcado noutro planeta. Quanto aos nativos, assustados com a quantidade de novos imigrantes, tendem a rejeitá-los.

Reichstag ‒ o palácio que acolhe o Parlamento alemão

Anos atrás, um primeiro-ministro francês ‒ aliás, membro do Partido Socialista ‒ disse algo como «A França não pode acolher toda a miséria do mundo». Se as palavras não foram exatamente essas, a fala mostrava um certo desalento. Quanta miséria a França pode acolher? A pergunta ficou no ar. E está sem resposta até hoje.

Na época, era só a França, mas hoje praticamente toda a Europa enfrenta a mesma questão. Que fazer? Fechar fronteiras? Construir muros à moda de Mister Trump? Instalar cercas de arame farpado? Ou deixar entrar quem quiser? Não é fácil encontrar solução. Por mais segura que seja a canoa, a capacidade de receber passageiros é limitada. Ultrapassado o limite, ela periga afundar. Como é que fica, então?

A consequência inevitável desse estado de coisas é o fortalecimento de sentimentos nacionalistas, antieuropeus e xenófobos. Partidos de extrema-direita, que haviam desaparecido desde o fim da Segunda Guerra, ressuscitam revigorados. O fenômeno é visível, já faz alguns anos, na Itália, na França, no Reino Unido. Ultimamente, Hungria, Polônia e República Tcheca acompanham o movimento. Até poucas semanas atrás, a Alemanha se mantinha fora do clube. Isso acabou.

Sessão do Bundestag ‒ os deputados federais alemães

As recentes eleições legislativas deram força à AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema-direita. Conseguiram eleger, de uma vez, 92 deputados para o Bundestag, a câmara baixa. É a primeira vez, desde 1945, que a direita extrema logra eleger deputado. O partido tornou-se, da noite para o dia, a terceira força política do país. É pra deixar muito alemão horrorizado. Os fantasmas do passado tenebroso estão saindo do baú.

Abre-se esta semana a nova legislatura do Bundestag. Por tradição, o discurso inaugural é feito pelo deputado mais idoso, seja ele de que partido for. O problema é que, desta feita, o mais velho era justamente um senhor eleito pelo partido de extrema-direita. Pior que isso, Herr von Gottfried (77 anos) é ferrenho adepto da corrente negacionista, daqueles que garantem que as câmaras de gás nunca existiram e que a exterminação dos judeus não passa de um mito.

Às pressas, o regulamento do parlamento foi modificado. O discurso de abertura passou a ser confiado ao deputado mais antigo, não ao mais idoso. A manobra salva as aparências mas, infelizmente, o problema continua tal e qual. A subida de forças nacionalistas de extrema-direita é pra lá de inquietante. Principalmente na Alemanha.