Brasil invadido

José Horta Manzano

O site britânico Statista publica bons mapas históricos. Num artigo de 2021, informa, com indisfarçado ufanismo very British, que, entre os quase 200 países do globo, somente 22 nunca foram invadidos pela Grã-Bretanha. Acompanha um mapa-múndi com os continentes recobertos de azul-marinho (os países invadidos pelos ingleses) e umas manchas de cor cinza, aqui e ali, indicando aqueles que nunca foram invadidos. (Veja ilustração.)

Pensei que, se eles afirmam isso, deve ser verdade. Mas não me lembrava de ter ouvido falar de invasão de ingleses em Pindorama. A única ocasião em que, assim por dizer, britânicos puseram os pés em terras nossas com o fim de tomar posse delas aconteceu na passagem do século XIX para o século XX.

Como sabemos, as Ilhas da Trindade e Martim Vaz hoje fazem parte do estado do Espírito Santo. Mas nem sempre foi assim. Até os anos 1890, nenhum país havia se preocupado em tomar posse do arquipélago. Desabitadas e inóspitas, as ilhas eram terra de ninguém.

Foi quando, em 1893, um sujeito bastante original, de nacionalidade americana, desembarcou em Trindade e fez saber ao mundo que ele era o dono do pedaço. Aquela minúscula ilha havia de se tornar ‘ditadura militar’ submetida a seu comando pessoal. O nome do novo país seria Principado de Trinidad (sic) e ele, o dono, seria conhecido como James I, Príncipe de Trinidad.

A declaração ecoou em Londres e no Rio de Janeiro e soou alarme vermelho. De fato, os britânicos, no auge de seu poder marítimo, entendiam que o local era ideal para instalar uma estação telegráfica. Quanto ao Brasil, considerava que Trindade era parte integrante do território nacional desde a época do descobrimento.

Os britânicos foram os primeiros a acudir ao arquipélago. Com o pretexto de estudos de astronomia, desembarcaram e detiveram o “príncipe”. A partir daí, começou a disputa entre a Inglaterra e o Brasil pela posse das ilhas. A questão não levou muito tempo para se resolver, dado que o interesse inglês não era particularmente forte. Ao final de tratativas diplomáticas, o arquipélago foi atribuído ao Brasil.

Esse é o único episódio em que o olho gordo dos ingleses “invadiu” território nacional. Não me ocorre outra ocasião. Se algum leitor souber de outra invasão britânica, me avise por favor.

Bom, o mapa está aí para a apreciação de vosmicês. Não sou o autor da ideia nem do grafismo. Estou vendendo o peixe pelo mesmo preço que paguei.

Política de cotas à inglesa

José Horta Manzano

Com tantos reis e rainhas espalhados pelo mundo, é difícil entender a razão pela qual a realeza britânica fascina tanto. Qualquer fato ligado à família real é bom pra animar a mídia : um nascimento, uma separação, um discurso da rainha, um casamento. Falando em casamento, temos um este fim de semana.

Um dos netos da rainha Elizabeth vai se casar com uma jovem americana. A moça, apresentada como «negra», é na verdade mestiça, mulata clara. Tem 50% de sangue negro e 50% de sangue branco. Se não se pode dizer que é branca, tampouco se deve dizer que é negra. Não vejo por que uma das metades anularia a outra.

Abdicação de Eduardo VIII, em 1936

União fora dos padrões, na Inglaterra pudibunda do século 19, seria inimaginável. E olhe que nem precisa ir muito longe no tempo. Nos anos 1930, o rei Eduardo VIII foi forçado a abdicar o trono por insistir em se casar com uma mulher divorciada ‒ americana, por sinal. Hoje, passados oitenta anos, Charles, filho da rainha e herdeiro da coroa, divorciou-se da primeira esposa e está casado com Camila, uma divorciada. E tudo bem.

A entrada de uma mestiça na realeza inglesa vem a calhar. É de lembrar que 8% dos habitantes do reino são de origem asiática, negra ou mestiça. A futura princesa quebra a tradição de uma família real exclusivamente branca. Faz bem à imagem do país, donde a aprovação geral.

O casamento deverá ser acompanhado, pela televisão, por dois bilhões de terráqueos, uma enormidade. Cem mil turistas são esperados em Londres. Calcula-se que a venda de souvenirs e o comércio diretamente ligado ao evento movimentarão 600 milhões de euros ‒ uma bênção para uma economia castigada pelo Brexit. As bodas são excelente operação comercial, benéfica para todos.

Carl XVI Gustaf e Sylvia, reis da Suécia

Nem todos os brasileiros sabem, mas Sylvia, a rainha da Suécia, é brasileira. Filha de pai alemão e mãe brasileira, nasceu na Alemanha mas cresceu no Brasil dos 4 aos 14 anos de idade. Tem duas línguas maternas: português e alemão. Fala nossa língua como qualquer um de nós.

Apesar dessa proximidade, ninguém se interessa pelos fatos e gestos da família real sueca. Não se ouve notícia, não se publicam fotos, não se lê nada. Enquanto isso, basta um espirro da realeza londrina para a mídia se assanhar. Enfim, que é que se há de fazer? Así nos están saliendo las cosas.

Bandeiras secretas

José Horta Manzano

Você sabia?

Antes de 1994, quando ainda vigorava o regime de segregação racial conhecido como apartheid, a África do Sul ainda se sentia próxima dos tempos coloniais. A população branca segurava firme as rédeas do poder mas, assim mesmo, pairava no ar a pouco agradável impressão de estar vivendo em terra alheia. A prova é que a bandeira do país guardava três bandeirinhas «de reserva» bem na faixa branca central. Embora já fosse independente, o país tinha dificuldade em desgrudar das origens britânica e neerlandesa.

Antiga bandeira da África do Sul. Foi substituída pela atual em 1994.

Com a eleição de Nelson Mandela à presidência e a transição miraculosamente pacífica que se seguiu, o regime mudou, o apartheid foi para o museu e a bandeira, naturalmente, foi redesenhada.

Hoje em dia, poucos são os países cuja bandeira guarda inserida uma bandeirinha «de lembrança». Esse fenômeno é frequente com pequenos territórios britânicos que vivem em regime de semi-independência.

Há uma bandeira, no entanto, que leva nada menos que oito bandeirinhas ocultas, como num jogo de esconde-esconde. É a elegante bandeira da Noruega. Como os demais países escandinavos, ostenta a cruz viking.

Bandeira da Noruega e as oito bandeiras escondidas.

Apesar da aparência relativamente simples, uma observação mais atenta revelará oito bandeiras nacionais mimetizadas, como naqueles quebra-cabeças que desafiam a «encontrar o coelho».

Há mais casos de bandeiras ocultas dentro de outras. Há que prestar atenção: quem procura, acha. Todavia, uma coisa é certa: nosso lindo pendão da esperança não se aninha dentro de nenhum outro.

Crédito
A descoberta das bandeiras ocultas dentro do pendão norueguês se deve à perspicácia do blogueiro espanhol Diego González.