Se liberan a sí mismos

José Horta Manzano

Señor Antonio Ledezma é advogado e homem público venezuelano. Na política desde os tempos de estudante, já foi deputado, governador, senador e prefeito da capital do país ‒ um currículo sólido. Há muitos anos, faz parte da importante franja de políticos que se opõem ao desmonte da nação instaurado pelo regime «bolivariano» de Hugo Chávez e reconduzido por Nicolás Maduro.

Dado que a Justiça do país se encontra dominada pelo Executivo, prevalece sempre a vontade do príncipe. Em 2015, o príncipe agiu como de costume quando alguém lhe pisa os calos: ordenou que señor Ledezma fosse encarcerado. Desde então, o prefeito foi mantido em prisão domiciliar. A acusação? Um pretenso e nebuloso complô para derrubar Maduro ‒ alegação sem consistência e impossível de ser comprovada.

Caracas – Cúcuta: trajeto de 900km
imagem Google

Instalou-se, desde então, uma rotina. Todos os dias, a polícia bolivariana batia à porta de Antonio Ledezma às oito da manhã e às oito da noite. Vinha constatar a presença do prisioneiro. Como prova, os guardas levavam as impressões digitais do encarcerado para mostrá-las aos superiores. Rígido nos primeiros meses, o ritual foi-se afrouxando. Os policiais acabaram rareando a visita noturna. Davam expediente só pela manhã. Afinal, quase 1000 dias já se tinham passado sem nenhum incidente.

Durante várias semanas, o preso preparou um plano de fuga. Contou ‒ é certeza ‒ com uma rede subterrânea de cúmplices. Por razões de segurança, o nome dos colaboradores não foi nem será publicado. No dia acertado, logo após a passagem matinal dos agentes de Maduro, Ledezma embarcou num automóvel para uma longa viagem de 900km até a fronteira colombiana. O trajeto levou 15 horas. Vinte e nove postos de controle foram enfrentados sem o menor problema, num sinal de que cumplicidade havia.

Um rio marca a fronteira entre Venezuela e Colômbia. Do lado colombiano está a cidade de Cúcuta. A mídia não menciona, mas é plausível que o fugitivo já estivesse sendo ali aguardado para ser transportado a Bogotá, a capital do país. De lá, tomou um avião de carreira com destino a Madrid, onde desembarcou neste sábado de manhã. Ao chegar, foi acolhido pela esposa e pelas filhas, que já vivem na capital espanhola há tempos.

Tirando a rainha da Inglaterra, nenhum viajante intercontinental costuma embarcar sem passaporte. Dado que seu documento de viagem havia sido confiscado por Maduro, como é possível que Ledezma tenha podido viajar? Esse detalhe não foi (nem deverá ser) esclarecido.

No aeroporto de Madrid, uma multidão de repórteres, microfone em punho, aguardava pelo político. Perguntas choveram. De repente, o recém-chegado se surpreendeu ao ouvir que «estava fugindo» da Venezuela. Na lata, retrucou: «Los presos políticos no se fugan, se liberan a sí mismos» ‒ presos políticos não fogem, libertam-se.

Adicionando a massa de refugiados que escapam diariamente em direção à Colômbia e ao Brasil, os mais afortunados que já se foram para Miami e os políticos que se libertam, a Venezuela está chegando ao ponto em que vale a máxima: «Que o último a sair apague a luz».