José Horta Manzano
Um conhecido meu teve, já faz muito tempo, uma pequena papelaria. Naquela época em que ainda ninguém tinha computador, nem impressora, nem escâner em casa, ele deixava uma fotocopiadora à disposição dos clientes. Por módica soma, o distinto público podia tirar suas copiazinhas em sistema de autosserviço. Pagava-se no final.
Vez por outra, aparecia uma velhinha, moradora das redondezas. Depois dos bons-dias, ela pedia para tirar umas cópias. O dono da loja, comovido com a idade avançada da cliente, nunca cobrou pelo serviço. Sempre deixava por isso mesmo.
Um dia, a anciã chegou com algumas folhas. Parecia apressada. O comerciante propôs que ela lhe confiasse os documentos. Ele mesmo tiraria as cópias, e ela podia vir logo mais à tarde buscar o calhamaço. Contente e agradecida, ela aceitou.
Meu conhecido pôs-se à obra. Deu-se conta de que tinha em mãos a declaração de renda da velhinha, preenchida e pronta para ser enviada à Receita. Não se conteve ― deu uma rápida espiada nos números. Quase caiu de costas: a cliente era dona de fortuna considerável, coisa de milhões! Um espanto.


Decreto n° 54925
Ao ficar sabendo que o prefeito da cidade de São Paulo havia decretado, semana passada, que cidadãos que já tenham completado 60 anos têm o direito de viajar gratuitamente nos ônibus municipais, lembrei-me da velhinha da fotocópia.
Pelo que diz o decreto, a idade é o único critério de atribuição desse benefício. O legislador partiu de um curioso pressuposto que equipara a velhice à pobreza. A meu ver, a (relativa) juventude do prefeito distorce sua visão. Sua premissa não é necessariamente verdadeira. Todo velho não é obrigatoriamente desvalido.
Reconheço o preceito de que a sociedade deve amparar seus membros mais frágeis. É a base de todo agrupamento humano. Mas não há que confundir idade madura com precariedade financeira. O cartão que assegura a gratuidade no transporte deveria ser atribuído unicamente a anciãos que comprovassem encontrar-se abaixo de determinado nível de rendimento e de patrimônio.
Do jeito que está, pobre tem de pagar tarifa plena enquanto a velhinha da fotocopiadora viaja de graça.
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