José Horta Manzano
Algumas línguas, principalmente eslavas, utilizam o alfabeto cirílico. O russo, o búlgaro, o sérvio, o macedônio e também o ucraniano estão entre essas línguas.
Esse alfabeto, baseado no grego com acréscimo de letras específicas, foi criado pelo bispo Constantino Cirilo, que viveu no 9° século de nossa era, ou seja, 1.200 anos atrás. Como se vê, o nome do prelado se estendeu ao nome do sistema de escrita.
Uma das características das línguas eslavas é a grande variedade de sibilantes. Há diferenças sutis, que nosso ouvido nem chega a perceber, como o S forte e o S fraco. Há muitos ch, ts, dz, tch, chtch e outros da mesma linha.
As letras cirílicas são bastante úteis para grafar as línguas eslavas. Por exemplo, para escrever chtch, nós precisamos de 5 letras, enquanto os eslavos resolvem o problema com uma letra só: щ. É uma economia de tempo e de espaço! Para ter uma ideia de como soa essa letra, pronuncie “os tchetchenos” como os cariocas: och tchetchenos.
Quando escrevemos um nome eslavo usando nosso alfabeto, estamos fazendo uma transliteração (= escrever com um alfabeto palavras de outro). Nomes russos, ucranianos e sérvios passam por esse processo.
Tenho visto frequentemente, em jornais do Brasil, o nome do valoroso presidente ucraniano escrito Zelensky, com Y final. Não é a melhor maneira de transliterar.
Nosso Y não existe no alfabeto cirílico, que só tem uma única letra para a vogal i: и. Em determinados casos, para indicar som breve, o и pode aparecer com uma braquia (й). No entanto, com acento ou não, será sempre a mesma letra.
Portanto, é recomendável transliterar o nome do presidente Зеленський como Zelenski, com i no final. Tascar um Y, embora pareça mais “estrangeiro”, não se justifica nesse caso.
A Folha de São Paulo entendeu perfeitamente e só grafa Zelenski. O Estadão oscila entre as duas formas. Já O Globo, não sei por que razão, persiste em copiar a forma inglesa Zelensky. Ainda bem que não adotaram Zelenskyy, com dois Y, como alguns jornais ingleses costumam grafar.
Com sabedoria, os latinos diziam: “Errare humanum est, perseverare diabolicum” – Errar é humano, perseverar é diabólico.
Outra grafia possível é Zelenskij, em que o j representa o i cirílico com bráquia. Alguns transliteram esse encontro ij como y. Talvez venha daí o costume de usar y em Zelensky.
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Veja, caro Bizzocchi, dado que o cirílico é alfabeto diferente do nosso, eu diria que toda transliteração deveria procurar se adaptar ao nosso ouvido.
Um J, entre nós, será instintivamente pronunciado como o J de janela. Se outras línguas enxergam no J uma semivogal ou uma vogal breve, não é nosso caso. Pela clareza, eu evitaria essa letra nesse caso.
Por seu lado, ela pode ser usada, com propriedade, em Doutor Jivago, por exemplo. Fica melhor do que o exótico e impronunciável “Doutor Zhivago”.
Quanto ao Y, pelo que tenho observado, já está tomado. É usado na transliteração de outro som frequente nas línguas eslavas.
Eu lhe dou o apelido de “61”, mas é só um recurso mnemônico pessoal. Na verdade, ele se escreve assim: Ы. É uma vogal ditongada, estranha à nossa língua, que soa mais ou menos como “âi”. A língua turca tem som semelhante, não ditongado, representado por um i sem pingo.
Em russo, aparece, por exemplo, na palavra рыба (râiba = peixe), que é geralmente transliterada ryba. Esse é o uso que tenho visto do Y latino em transliterações da escrita cirílica.
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Esse som que você chama de 61 (gostei da ideia!) também existe em romeno e é representado por â ou î. É um som muito comum nas línguas da Europa oriental.
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No romeno, há de ser contaminação das línguas eslavas que circundam o país.
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De fato, é. A área da ciência que estuda essas influências linguísticas entre línguas diferentes que habitam uma mesma área chama-se linguística areal.
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