José Horta Manzano
Em 14 de outubro, o último voo da companhia Alitalia levou 177 passageiros da Sardenha a Roma. Se digo “último voo”, é porque foi o último mesmo. A companhia deixou de existir, entregou o balanço, baixou a porta da garagem e enfiou as chaves por baixo.
Até certo porto, a história faz lembrar o drama vivido pela Varig três décadas atrás. Quem não é do ramo chega a se perguntar como é possível uma empresa desse porte ir à falência. Acredito que a resposta seja sempre a mesma: erros de estratégia e de gestão.
Alguns dirão que, no caso da Varig, a crise do petróleo dos anos 1970-1980 representou papel importante. Sem dúvida. Mas a crise não atingiu só a empresa brasileira. Ao redor do mundo, dezenas de outras companhias sofreram o mesmo impacto. No entanto, nem todas foram a nocaute.
O mesmo se pode dizer agora da Alitalia. A catastrófica situação criada pela pandemia de covid atravancou a vida da empresa. Mas, de novo: a pandemia não veio só para a firma italiana, mas para todas as outras. Muitas já estão retornando a uma situação próxima do normal. A Alitalia caiu antes.
Faz uma década, quando as aéreas se deram conta de que, quanto mais fortes fossem, melhor resistiriam aos ventos contrários, a Alitalia desdenhou da perspectiva de uma fusão com a Air France. Não quis arriscar ver sua “italianidade” se dissolver num casamento arranjado. Diante disso, a Air France juntou os trapos com a KLM e deixou a Alitalia falando sozinha.
O resultado foi essa catástrofe. Não adiantou o Estado italiano injetar um bilhão e 300 mil euros na empresa – quantia considerada ilegal pelas regras da União Europeia. O fim do filme está aí: a sociedade Air France/KLM vai bem, ao que tudo indica. Quanto à Alitalia, não resistiu.
Mas que não seja por isso. No dia seguinte, nova empresa surgiu do nada para tomar o lugar da falecida companhia nacional. Chama-se Ita – reparem só na originalidade. O nome completo é Ita Airways. Começa modestamente. Só vai utilizar uma parte dos aparelhos da empresa que deixou de existir. Vamos ver se, sozinha, consegue resistir contra a concorrência das grandes empresas de baixo custo (em português: low cost companies), como RyanAir e EasyJet, já bem implantadas no continente.
Tanti auguri!
Bom dia. Excelente artigo. Como entusiasta da aviação desde meus anos mais remotos (meu pai e demais familiares viajavam muito e eu estava sempre em aeroportos, especialmente o de minha cidade natal, onde havia um imenso terraço panorâmico no piso térreo do terminal aeroportuário, onde podíamos ficar bem pertinho dos aviões e acompanhar todas as manobras, o cheiro de querosene de aviação, pousos e decolagens).
Tenho um amigo italiano que me relatou diversos aspectos que casam-se com a vossa análise sobre o enterro desta prestigiosa companhia aérea italiana:
(1) uma empresa estatal sempre recebendo aporte financeiro do Estado. Sabemos que não há nada mais fácil do que torrar o dinheiro dos contribuintes, embora as regras da União Europeia vedem esse tipo de prática, muito bem mencionado em vosso artigo;
(2) funcionários em excesso. O governo italiano sempre pressionou o CEO da Alitalia para evitar quaisquer demissões;
(3) rotas deficitárias mantidas pela companhia no único intuito de manter ligações com cidades estratégicas em termos governamentais, porém totalmente não lucrativas (torrar dinheiro);
(4) concorrência acirrada das inúmeras companhias de baixo custo, as quais não podem ser barradas de operar em território italiano, devido a acordos de livre concorrência da Comunidade Europeia;
(5) má gestão; falta de planejamento estratégico; pandemia.
Em tempo:
No artigo, (em inglês: low cost carriers/airlines)
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Sem ser especialista no assunto, pelo que ouvi de várias fontes, a derrocada da Varig se deveu, em boa parte, a esse tipo de pressões governamentais.
Parece que, durante anos, figurões viajaram de graça para onde quisessem (especialmente Paris e Nova York), de primeira classe, com caviar e champanhe, sem reservar com antecedência, mandando pra escanteio passageiros que haviam reservado e pagado.
A repetição desse tipo de interferências indecentes, aliadas às pressões para arrumar emprego para correligionários, acabam por destruir uma empresa. Não há firma que aguente.
O Estado não é bom gestor de empresa privada. Aliás, pra dizer a verdade, não é bom gestor de empresa nenhuma. Para ter sucesso, um empreendimento tem de ter visão a longo prazo. Os gestores dos grandes conglomerados estão hoje pensando em 2030, 2040, 2050. O Estado está pensando nas próximas eleições. Assim, não dá.
O resultado são dramas como esse da Alitalia.
Obrigado pela leitura fiel.
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