José Horta Manzano
No jogo do bicho, o veado leva o número 24. Na primeira metade do século 20, quando não havia as numerosas modalidades de loteria que há hoje, o jogo do bicho era parte integrante da rotina de todos os cidadãos. Homens e mulheres, velhos e jovens, ricos e pobres, todos faziam sua ‘fezinha’ (de fé, não de fezes). Mesmo proibido – ou talvez exatamente por isso –, o jogo sempre foi apreciado.
Com o passar do tempo, a rotina da “fezinha” perdeu um pouco de força, mas a síndrome do número 24 continua firme e forte. Na linguagem popular do Brasil, não sei por que razão, o homem homossexual é chamado de veado. A partir daí, surgiu uma amálgama: homossexual = veado = 24. Essa tríade está ancorada na cabeça de todos.
Para um adolescente, faixa etária em que a personalidade ainda não está suficientemente firme pra resistir a certas pressões, ser designado pelo número 24 – na lista de chamada na escola, por exemplo – pode ser um peso difícil de carregar. Chacotas, zombarias, brincadeiras de mau gosto são um tormento quotidiano.
Pra evitar aborrecimentos, o brasileiro costuma fugir desse número. Não sei se, nas escolas do Brasil, a lista de chamada ainda atribui um número a cada aluno. Também não sei se o 24 é pulado. O que sei é que, certamente na preocupação de evitar constrangimento para os selecionados, a CBF não dá a camisa 24 a nenhum jogador.
Outro dia, um grupo LGBT que se sentiu ofendido com a ausência do 24 nas camisas da Seleção, entrou com ação judicial requerendo que a CBF informasse a razão do sumiço. Quando li a notícia, me pareceu zombaria. Como é que é? Não sabem por que razão nenhum jogador de futebol quer saber de camisa com esse número? Só pode ser brincadeira.
Não, não era brincadeira. E a demanda subiu até o Supremo que, parece inacreditável, acolheu o pedido. E deu 48 horas à CBF para explicar a razão de o número ser sistematicamente pulado. A explicação veio, num exercício de malabarismo em corda bamba, complicado de escrever, de ler e de entender.
Continuo sem atinar com os motivos que levaram o tal grupo de defesa dos interesses LGBT a proceder como o fizeram. Não percebi direito onde está a ofensa à causa da diversidade sexual. Me parece mesmo é falta do que fazer, com pinceladas de hipocrisia pesada. Da próxima vez, devem aproveitar o embalo e questionar a mais alta corte americana sobre a inexistência de 13° andar em numerosos edifícios americanos. Se defendem o direito à existência de todos os números aqui, deveriam fazê-lo ali também. Ou não?
Pra quem perdeu um capítulo, está aqui:
A demanda do grupo LGBT que acusou a CBF de homofobia (!)
O contorcionismo verbal da CBF para explicar sem dizer a verdade.
Mas minhas classes nunca houve essa coisa do número 24. Nem quando cursava o atual ensino médio. Há um excesso de preocupação com coisas menores e escassez de preocupação com o que realmente é importante – ressaltar o respeito à diversidade e ás diferenças como pluralidade e crescimento desde as comunidades pequenas até a nação. O Brasil é um país doente e carente de espírito; as pessoas não são solidárias, não têm senso de coletividade, não entendem o real sentido de riqueza.
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Você já viveu uma época menos primitiva. No meu tempo, que é bem anterior ao seu, o ambiente era mais tosco. Na minha escola, as classes do ginásio eram separadas por sexo e por período: meninos de manhã, meninas de tarde.
Nas classes femininas, imagino que ninguém cogitasse dessa história de n° 24. Já nas masculinas, era mais complicado. Os alunos que tinham nome começando por letra situada no meio do alfabeto suavam frio na hora da primeira chamada do ano – de medo de ter caído no número 24.
Na hora em que o portador desse número era conhecido, toda a classe se virava pra analisar o infeliz. Se fosse um grandão com cara de poucos amigos, não havia problema. Mas se fosse um pequenininho magrinho, ai dele. Ia passar um cortado o ano inteiro.
Na época, não tinha nome. Hoje dizem bullying.
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Acho que a associação entre homossexual e veado deriva do filme Bambi de Walt Disney. Não sei se você lembra, mas a figura de um veadinho [macho] com longos cílios e saltitante [como seria de se esperar de um veado] acabou servindo de base para definir figuras masculinas com “alma feminina” – isto é, com trejeitos delicados.
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O filme é de 1942. Eu pensava que a associação fosse mais antiga. Podes ter razão.
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