José Horta Manzano
Pessoas públicas – em especial as que ocupam cargos majoritários, como prefeito, governador e presidente – vivem sob os holofotes. É natural. Se quisessem passar a vida incógnitos e abrigados pela sombra discreta de uma mangueira, não se candidatariam.
Uma vez eleitos, conquistam privilégios e mordomias que não são accessíveis à plebe. Em compensação, sua existência perde a privacidade garantida aos demais mortais. Daí dizermos que são ‘pessoas públicas’. Antigamente bastava dizer homens públicos, mas a a linguagem politicamente correta de hoje quer que se mencionem todos os gêneros, sem deixar nenhum de fora; a palavra ‘pessoa’ cumpre a exigência.
Personagens públicos têm agenda pública, são vigiados da manhã à noite, seus deslocamentos são acompanhados. Até suas férias são esquadrinhadas. Ainda que andem na linha, serão analisados e criticados. Se saírem do bom caminho, então, serão alvo de uma torrente de críticas, que podem tomar o rumo perigoso da destituição do cargo.
Políticos mais espertos, que conseguem ser discretos, escapam desse olhar desconfiado e inquiridor. Já os outros, estabanados, se expõem demais da conta. Nesta última categoria, está nosso inefável(*) presidente da República.
Se fizesse um esforço pra conter a língua, seus defeitos, que são incompatíveis com o exercício do cargo, ficariam na sombra. Ao não se dar conta disso, o moço tropeça em perna de cadeira, procura casca de banana pra escorregar, se aventura de chinelão em solo ensaboado. Resultado: dia sim, outro também, tropica. E se esborracha que dá gosto.
Com a perda de seu mentor americano, ficou ‘aborrecido’ – é o que disse a mídia. Tenho a impressão de que o buraco é bem mais profundo que um simples aborrecimento. Para doutor Bolsonaro, a queda de Donald Trump é a notícia mais pavorosa que podia ter ouvido. Ele há de estar se sentindo muito, mas muito, deprimido.
Basta uma rápida comparação para ver que, entre os dois, há numerosos pontos comuns. ‘Falem bem, falem mal, mas falem de mim’ – é o lema de ambos. Os dois não toleram ser contraditos; assessor que não lhes disser amém será demitido. Em matéria de política externa, nenhum deles tem a mais remota ideia do que seja o frágil equilíbrio entre as nações; vai daí, tratam o assunto a bofetadas. Têm ambos a desagradável tendência a só falar para seus devotos, alheios ao fato de terem de governar todo um país. Poderia enfileirar mais uma dúzia de convergências entre eles.
Há, no entanto, um ponto em que divergem: é o olhar que cada um dirige ao outro. Trump sempre guardou altivez no trato com Bolsonaro, mostrando pouco-caso pelo brasileiro e deixando claro quem é que manda no pedaço. Já nosso presidente visitou o colega americano quatro vezes, sendo que, na última delas, ficou hospedado ‘de favor’ na propriedade particular do anfitrião – um cúmulo de despudor. Trump nunca se dignou de vir ao Brasil.
Doutor Bolsonaro sempre se conformou em ocupar posição submissa, de admirador servil, de lambe-botas do americano. Todos se lembrarão do dia em que se fez fotografar quando assistia, orgulhoso, a uma aparição do ídolo na televisão.
É por isso que, muito mais que ‘aborrecido’, Bolsonaro há de estar deprimido, aterrorizado, catastrofado. Como diria o outro, sente-se perdido como cãozinho caído do caminhão de mudança. Deve estar pensando: ‘Se aconteceu com ele, pode acontecer comigo também’. Essa ameaça é de tirar o sono.
Bolsonaro não tem jeito, que fazer? Como dizia o Barão de Itararé, «de onde menos se espera, daí é que não sai nada».
(*) Inefável é aquilo que não pode ser descrito com palavras. O termo é perfeitamente adequado a nosso presidente. A descrição de seu comportamento e de suas falas não cabe em palavras. Embora extenso, o vocabulário da língua portuguesa é finito; a imbecilidade do doutor, infelizmente, é infinita.
O termo inefável pertence a vigoroso tronco com muitas ramificações. Provém do verbo latino fari, que significa falar, dizer, conversar. Além de inefável (que não pode ser descrito com palavras), a família tem outros membros em nossa língua: afável (pessoa de conversa cortês), fama / famoso / famigerado (coisa ou pessoa falada), infante/infantil (que ainda não fala), ênfase (conceito proferido com destaque), fábula (narração inventada), fonético (que é próprio da voz), difamar / infame (falar mal, mal falado). A lista não é exaustiva.
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Os qualificativos raivosos para descrever a conduta diária daquele que ainda ocupa o cargo de presidente do Brasil já se tornaram insuficientes na língua portuguesa. Inefável é um achado e tanto, a cereja do bolo, um resumo perfeito do estado de espírito (de indignação máxima) dos cidadãos conscientes – ainda que, na minha cabeça, tivesse até agora um significado positivo, representasse a mudez necessária diante dos assombros divinos.
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Além de inefável, muitos termos dessa mesma família servem para qualificar o presidente. Ele é infantil e tem má fama. Fabula os próprios defeitos e neles põe ênfase. Pra arrematar, é infame.
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Tudo bem, há outros qualificativos da mesma família que podem ser usados sempre. Mas a grande vantagem de inefável é que ele põe um ponto final na discussão: não pode ser descrito em palavras.
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Minha mãe, em seus 89 anos, já descreveu como “estrume inútil “, porque não serve sequer para adubo, com o perdão das palavras. Você foi elegante. Obrigada pelo texto. Alivia um pouco a raiva saber que outros pensam da mesma maneira, mas não alenta a esperança de vê-lo longe do cargo que ocupa.
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Muito obrigado. Você há de ter notado que, a cada manifestação, nosso doutor aumenta a força dos insultos proferidos. Ora, na vida, tudo tem um limite. Como dizia meu pai: «Um dia, a casa cai».
De tanto esticar a corda – e pode ter certeza de que ele, pouco inteligente, vai continuar esticando –, a casa vai cair. E vai cair em cima dele mesmo. Virá sob forma de impeachment ou interdição. Pode também renunciar (ou ser renunciado, tanto faz).
Não acredito que chegue ao fim do mandato, principalmente agora, que perdeu o mentor americano. Nem o Brasil nem o mundo aguentam mais dois anos dessa geleia.
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