José Horta Manzano
Não se assuste o distinto leitor com o palavrão que vem a seguir. É o nome de uma língua: o protoindo-europeu. Bem, não é exatamente uma língua no sentido que damos habitualmente a essa palavra – um falar homogêneo usado por um povo como meio de comunicação. É, antes, uma criação hipotética, uma reconstrução feita ‘de trás pra diante’. Num trabalho de paciência beneditina, a partir de palavras existentes em línguas modernas aparentadas, linguistas procuram encontrar o tronco, o ancestral comum. Palavra por palavra, vai-se recompondo a língua-mãe.
Pronto, não me estendo mais. Minha intenção não é ministrar curso de linguística. Só queria que ninguém ficasse assustado com o nome do antepassado longínquo. Quando se sabe o que é, o protoindo-europeu se torna manso feito coelhinho.
Supõe-se que a língua ancestral contasse com uma raiz *sekw-, responsável por extensa prole que aparece no latim e em boa parte das línguas europeias. Chegou ao latim como sequi – verbo que significa seguir, vir depois. Em nossa língua, uma baciada de termos provém do mesmo ancestral.
Uns mais, outros menos, todos conservam algum traço do sentido original: seguinte (o que vem depois), conseguir (ir atrás de), perseguir (ir atrás de), prosseguir (continuar seguindo), segundo (o que vem depois, o que se segue ao primeiro), sequência/consequência (o que vem em seguida), obséquio (ir atrás do que se supõe ser o desejo do outro), sequestrar (perseguir e apoderar-se do objeto da perseguição), executar (prosseguir até a realização), sócio (o que caminha junto, o que segue o outro).
Seita é fruto da mesma árvore. Nos tempos de antigamente, a palavra tinha significado neutro, isto é, não carregava julgamento de valor. Seita não diferia muito do sentido que damos hoje a partido, a entidade que congrega os seguidores de determinada ideia.
Ao longo dos séculos, a palavra assumiu valor claramente pejorativo. Hoje, sectários – os componentes de uma seita – são os que divergem frontalmente da doutrina majoritária e preferem seguir orientação de um guru político ou espiritual. São olhados pela maioria como se estivessem fora da lei.
É curioso notar que maiorias e minorias são instáveis, portanto, evoluem. Assim, os que são hoje vistos como sectários, por serem devotos de uma seita minoritária, podem se tornar majoritários amanhã. A partir daí, sectários serão os outros. E o mundo continua a girar.