José Horta Manzano
«O Crédito Pessoal Consignado é uma linha de empréstimo pessoal para você usar como quiser» ‒ é assim que um grande banco brasileiro apresenta o «produto». Chamativo, parece um negócio da China. Mas convém desconfiar, que nem tudo que reluz é ouro.
O Senado da República acaba de aprovar medida provisória que permite ao trabalhador do setor privado dar as economias amealhadas no FGTS como garantia para tomar empréstimo. «Para usar como quiser» ‒ a propaganda é clara. Embora venha travestida de bondade, a medida é trágica, um atentado contra as camadas menos abastadas da população.
Poupança nunca foi nosso ponto forte. Por razões históricas e resistentes, grande parte de nosso povo vive na corda bamba, na base do «amanhã, vamos ver», à espera do milagre virá na hora da necessidade.
Poucos têm algum tipo de amortecedor ou de colchão que lhes garanta trégua ou desafogo na necessidade. Cidadãos jovens, com força e ânimo, têm mais chance de superar situações adversas. O aperto maior vem nos velhos dias, quando toda atividade remunerada cessa. Antigamente, a solidariedade de parentes e descendentes paliava. Pouco a pouco, o esgarçamento do tecido familiar tradicional impôs a generalização do sistema de aposentadoria.
Assim mesmo, a renda de velhice era pouca, nem sempre dava para o gasto. Foi essa lacuna que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço quis preencher. Instituído em 1966, veio complementar segurança econômica de idosos. Respondendo a tendência planetária, outros países também adotam instituto análogo.
Até na Suíça, um pecúlio obrigatório para assalariados existe desde 1985 destinado a reforçar os proventos dos idosos. Diferentemente do que ocorre no Brasil, essa poupança é realmente reservada para os velhos dias. O único caso em que pequena porção pode ser retirada antecipadamente é para compra de casa própria. Faz sentido. Ter moradia contribui para a segurança econômica.
A aberrante MP, editada nos estertores do governo de dona Dilma, vai no sentido errado: esvazia os fundamentos do FGTS. Foi mais uma comprovação de que, para salvar a própria pele, nossos governantes estão dispostos a qualquer abominação. A anuência dos senadores é escândalo ainda maior.
O FGTS tem de continuar fiel a seu princípio: garantir vida mais digna aos que trabalharam a vida inteira. Acenar com créditos eventuais «para você usar como quiser» desvirtuam a poupança.

Difícil fazer com que as pessoas entendam a importância que tem o FGTS e o cuidado que precisam ter com o crédito consignado, até ex ministro levou dos empréstimos dos velhinhos aqui no Brasil. É demais!!!
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Só um detalhe curioso: quando o FGTS foi criado em 1966, todo trabalhador, para ser contratado por uma empresa, era obrigado a assinar um documento chamado de “Opção pelo FGTS”. Caso se recusasse a assinar, não era contratado. Certa vez perdi umas 3 horas tentando explicar a um jovem porque a “opção” era compulsória. Parece que, agora, as coisas se inverteram: convença-se que o dinheiro que está guardado conosco é seu por direito e use-o como quiser.
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A Suíça tem a LPP (Lei sobre a Previdência Social), que equivale, grosso modo, ao FGTS brasileiro. Só que, por aqui, poupança é levada a sério. O fundo não é para ser usado assim, sem mais nem menos.
A contribuição mensal é paritária, ou seja, o funcionário contribui com metade e o empregador com o resto. É uma porcentagem do salário. Tudo vai para uma conta bloqueada, pessoal, em nome do funcionário.
A conta rende juros a cada ano. Os juros, fixados pelo governo central, são superiores ao que se pratica no mercado.
Quando o empregado deixa um emprego, não tem direito a movimentar a conta, nem mesmo se tiver sido despedido. O objetivo é a garantia dos velhos dias, não de um apuro passageiro. Quando se perde o emprego, está aí o seguro-desemprego para quebrar o galho.
A cada vez que o cidadão muda de emprego, o novo empregador continua a alimentar a conta já existente.
Em princípio, o beneficiário só terá acesso ao saldo quando chegar à aposentadoria. Atualmente, homens se aposentam ao atingir 65 anos. Mulheres (ainda) têm o direito de se aposentar aos 64 ‒ mas isso está pra mudar. «Égalité des sexes oblige…»
Chegando à idade da aposentadoria, o funcionário tanto pode retirar o saldo da conta em dinheiro quanto optar por uma renda vitalícia. A renda anual, paga mensalmente, é calculada dividindo-se o capital acumulado por 6,5%. Por exemplo, se o cidadão tiver acumulado cem mil francos, receberá 6.500 por ano. Pode-se também combinar as duas opções, isto é, retirar uma parte em dinheiro e deixar a outra como renda vitalícia. A decisão pertence ao beneficiário.
Há apenas três casos em que o cidadão pode movimentar a conta antes de se aposentar:
1) Caso deixe o país e se mude para o estrangeiro definitivamente
2) Caso deixe de ser empregado e se estabeleça por conta própria
3) Caso adquira casa própria (só vale para a primeira casa)
Nos dois primeiros casos, pode-se retirar a totalidade dos haveres. No caso da casa própria, só se pode usar o fundo de garantia para pagar até um máximo de 10% do valor total do imóvel. Os outros 90% terão de vir de outro lugar ou de financiamento hipotecário.
Caso o beneficiário morra antes da aposentadoria, a viúva e os filhos recebem pensão calculada sobre o valor do capital acumulado. A pensão será vitalícia para a viúva (ou o viúvo) e temporária para os filhos, até que atinjam a maioridade. Na falta de cônjuge e de descendentes, o montante vai para os herdeiros legais.
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