Romário e a conta

José Horta Manzano

Banco 4Pergunta-me uma amiga do Brasil o que acho dessa história de o futebolista (e agora senador!) Romário de Souza Faria manter um punhado de milhões numa conta bancária suíça, não declarada ao fisco brasileiro.

O avô de meu avô já dizia que «onde tem fumaça, tem fogo». Para ser honesto, o bisavô de meu bisavô também já afirmava que «nem tudo o que reluz é ouro». Como sói acontecer, a cada provérbio se opõe outro que declara exatamente o inverso. Até aí, ficamos na mesma.

Para reforçar a tese de que todo esse auê é intriga da oposição, lembro os pontos seguintes:

Interligne vertical 17b● com seu falar franco e desabusado, o senador há de ter colecionado inimigos;

● em tempos de denúncias a torto e a direito, basta olhar meio de lado pra ser acusado de corrupto;

● a prova maior – a confirmação do banco – está aí, preto no branco, papel timbrado, assinatura em baixo.

Por seu lado, há pontos que me deixam com um pé atrás:

Interligne vertical 17b● cáustico, o senador zombou dos que o acusavam. Ao mesmo tempo, prudente, decidiu revelar que, tendo mantido conta em vários países, era possível que alguma tivesse restado adormecida e esquecida. (Afinal, dois milhões de dólares são uma merreca, não é mesmo?);

● mostrando que tinha sentido o golpe, Romário não quis saber de telefone ou videoconferência: precipitou-se no primeiro avião para conversar, cara a cara, com seu banqueiro;

● a carta do banco declara, sim, que aquele estrato é falso e que a conta mencionada não pertence ao senhor Romário de Souza Faria. O BSI, banco sério, não tem nenhum interesse em fazer declaração falsa. Estranhamente, porém, não há menção do que todos gostariam de saber.

A carta do banco não informa:

Interligne vertical 17b● se a conta mencionada no extrato existe

● caso exista, a quem pertence? A alguma empresa offshore?

● se o senador não é o titular, será ele o beneficiário dos fundos?

● o senador – ou algum seu preposto – é (ou já foi) titular ou beneficiário de alguma conta?

● na afirmativa, em que período e com que saldo?

Pronto, aí está o que se sabe. Perduram mais perguntas que respostas. Achar isto ou aquilo não nos levará a lugar nenhum. Somente os envolvidos – correntista, banco e advogados – conhecem a verdade integral.

Nós, mortais comuns, jamais saberemos qual dos dois provérbios funcionou desta vez: se «onde tem fumaça tem fogo» ou se «nem tudo o que reluz é ouro». Talvez os dois sejam verdadeiros.

Interligne 18c

PS: Como já expliquei a meus distintos leitores, em post de dois meses atrás, a banca suíça faz nítida diferença entre titular de uma conta e beneficiário dos fundos. Não ser titular não significa não ser beneficiário do dinheiro.

Personagens muito conhecidos costumam se esconder por detrás de laranjas ou de empresas offshore. Em casos assim, o banco pode declarar, sem mentir, que fulano não é titular de nenhuma conta. Para estrangeiros não inteirados da astúcia, costuma funcionar. O inquérito morre aí.

5 pensamentos sobre “Romário e a conta

  1. Cheguei a pensar que fosse alguma jogada de marketing combinada com a revista Veja. Que a mesma, desmentindo posteriormente, o tornaria o mártir… o perseguido… Pois, até onde sei, nenhuma pessoa em sã consciência publicaria em uma revista de gigante circulação um extrato bancário falso alegando ser de um SENADOR, e, ainda, em época de lavagem de roupa suja da corrupção. Ou seja, o processo contra a Revista, seria certeiro, não é? O jornalista era suicida?
    É José Horta Manzano, aqui no Brasil, onde tem fumaça, a queimada já foi feita e quase tudo que reluz é óleo de peroba mesmo.
    Grande abraço.

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    • Michèle,

      Sua hipótese está longe de ser absurda. É bem possível que você esteja certa enquanto eu estou olhando o caso com olhos pouco habituados ao marketing nosso de cada dia, tão em voga no Brasil.

      A favor da sua tese, está o fato de a revista ter publicado documento falso aparentemente sem verificar a origem. É temeridade grande demais, não dá pra acreditar. A história é muito esquisita.

      Tenho, por acaso, conta no mesmo banco – declarada, naturalmente. Posso lhe assegurar que, se forjado for, o extrato do Romário foi feito por quem entende do riscado. Segue rigorosamente o padrão do banco. Tudo do mesmo jeitinho, na mesma ordem, no mesmo formato.

      Um detalhe me deixa curioso. O extrato do senador é redigido em italiano, fato que condiz com o endereço da agência, anotado ao pé da página. A conta está aberta na agência de Lugano, no Cantão do Ticino, onde a língua oficial é o italiano.

      No entanto, quando se precipitou para resolver o problema pessoalmente, nosso Romário dirigiu-se à agência de Genebra, que costuma emitir extratos em francês. Genebra fica a 5h de trem de Lugano. Não é comum alguém atravessar o oceano para resolver um problema e, no final, parar a tão pouca distância do objetivo. Ou, quem sabe, nosso senador tem mesmo conta na agência genebrina. Vá saber…

      Chego a pensar que a revista Veja, tendo obtido a informação por caminhos não confessáveis, preferiu pedir desculpas e enterrar o assunto antes que lhe fossem pedidos maiores esclarecimentos. Há boas chances de o vazamento ter sido obra de algum funcionário graduado do banco BSI. Como é possível? Conto-lhe rapidamente a história do banco.

      O BSI nasceu um século e meio atrás com o nome de Banca della Svizzera Italiana – Banco da Suíça Italiana, com sede em Lugano, Suíça. Nos primeiros 100 anos, o crescimento foi lento. A partir dos anos 1960/1970, deu um salto atrás do outro, expandiu-se e foi-se firmando como banco de investimentos, diferente de um banco comercial “de varejo” (como um Bradesco ou um Itaú).

      Em 2014, foi comprado pelo único banco brasileiro de investimentos cotado na bolsa. Chama-se BTG Pactual, controlado pelo bilionário senhor André Esteves. O valor da transação foi de 1,2 bilhão de dólares, dos quais o BTG pagou 850 milhões à vista – um valor pra nenhum acusado na Lava a Jato botar defeito!

      Agora vem a pergunta venenosa: a obtenção fraudulenta do extrato – forjado ou não, pouco importa – teria alguma ligação com o fato de o banco suíço ser controlado por um grupo brasileiro? Não saberemos nunca.

      Um abraço.

      PS: A notícia da compra do BSI pelo BTG Pactual foi dada pelo portal financeiro Bloomberg. Aqui, ó:

      http://www.bloomberg.com/news/articles/2014-07-14/generali-to-sell-bsi-unit-to-btg-pactual-for-1-7-billion

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  2. Já que nunca saberemos, pra variar, desconfiaremos… Ah, entendi, o dono do banco é um bilionário brasileiro. Romário que se cuide.
    Lembrando da estória do futuro ganhador da mega sena, como, não me servem uísques, nem chá, nem café, nem água, nem cadeira, quando vou ao banco, com certeza, ainda, posso dormir tranquila, matutando como se deram tais trambicagens…

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    • Michèle,

      Mais reflito, mais hipóteses aparecem. Pode ser – digo bem que pode ter sido, não digo que assim tenha sido – pode ser que, por detrás desse episódio esquisito, esteja uma armação matreira, feita pra atingir dois alvos ao mesmo tempo. Veja o roteiro.

      1) Alguém poderia estar interessado em prejudicar a revista Veja. Há muita gente que adoraria vê-la no buraco.

      2) Esse mesmo alguém poderia estar querendo, por razões que só o diabo conhece, passar uma rasteira no Romário. Há muita gente querendo detoná-lo.

      Suponhamos agora que esse mesmo «alguém» tenha acesso privilegiado às altas esferas do BTG Pactual. Banqueiros bilionários brasileiros estão sempre cheios de amigos brasileiros, não é? Pois bem, para essa gente, conseguir um papel timbrado do banco é tão difícil quanto tirar pirulito de criança de colo. Conseguido o papel, até a impressora aqui de casa consegue «forjar» um extrato.

      Como fazê-lo chegar à revista Veja com garantia de que é verdadeiro? Eu não sei fazer isso, mas deve ter gente que sabe. Chegou à direção da revista. Os diretores, acreditando no mensageiro, não tiveram dúvidas: publicaram a notícia-bomba.

      Resultado:

      1) A revista, além de cair no ridículo, perdeu alguns pontos de credibilidade. E vai perder dinheiro na Justiça. Era aonde se queria chegar.

      2) Nosso amigo Romário, que provavelmente nunca teve conta no banco BSI, caiu das nuvens. Por um momento, passou por mentiroso e por fraudador do fisco. Essa desconfiança vai ficar gravada na memória coletiva. Era onde se queria chegar.

      3) Como efeito colateral, o público desviou os olhos da Lava a Jato para fixá-los no senador sob suspeita. Não durou muito tempo, mas é sempre melhor que nada.

      Como você mesmo diz, não saberemos nunca. Mas bem que pode ter sido assim. Pelo menos, esse roteiro explica o (sincero) pedido de desculpas da revista e o (sincero) espanto do senador.

      Abraço.

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