Manifestação e razão

José Horta Manzano

Pelo que tenho lido estes últimos dias, os brasileiros começam a pôr em prática o conselho que os franceses dão ao mundo há séculos: quando não estiver satisfeito com alguma coisa, proteste! Faça ouvir sua voz!

Na França, por um sim, por um não, saem todos às ruas brandindo cartazes e escandindo palavras de ordem. O povo está ultratreinado para esse tipo de exercício. Mas há um contraponto: manifestações com número polpudo de participantes são porta aberta para vândalos e baderneiros.

Parece inacreditável, mas, em dia de passeata importante, há gente que sai de casa munido de todo o aparato do perfeito bagunceiro. Junta-se aos manifestantes sem saber exatamente contra o que estão reclamando. Pouco importa. Seu prazer é participar do (quase) inevitável quebra-quebra final e destruir o que lhe apareça pela frente. Uma apoteose, um verdadeiro orgasmo! Cada um tem seu esporte favorito.

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No Brasil, o motivo alegado para a balbúrdia atual é reclamar contra o aumento do preço das passagens de transportes coletivos urbanos.

É verdade que ninguém aprecia aumento de preço. O ponto mais sensível do ser humano é o bolso, disso sabemos todos. Se quiser enervar alguém, renuncie a pisar-lhe o calo ― prefira enfiar-lhe a mão no bolso: o efeito será visceral, e a reação, fulminante.

Baderneiros

Baderneiros

Por outro lado, não acredito em movimento popular «espontâneo». Há sempre um Duque de Caxias, um Napoleão, um Garibaldi organizando a agitação. Esses comandantes deveriam parar um instante para refletir. O que é que está errado?

O problema não está propriamente no fato de o preço do transporte público aumentar. Todos os preços, mais dia, menos dia, acabam aumentando. O nó da questão é o peso brutal que a subida do custo da condução exerce no bolso dos usuários. No fundo, o problema não está no aumento do preço, mas na incapacidade do usuário de fazer frente a ele.

Baderneiros Crédito: Jeff Moore

Baderneiros
Crédito: Jeff Moore

O preço das passagens está ― bem ou mal ― alinhado com o que se pratica no resto do mundo. Em grande parte dos países, quando o transporte encarece, não se veem manifestações. Por que, então, no Brasil, bandeiras se alevantam? A resposta é simples: porque o salário do cidadão médio anda tão apertado que não lhe deixa folga para suportar esse acréscimo. Repito: o aperto não está no aumento em si, mas na incapacidade dos viajantes de absorvê-lo.

Goteira

Goteira

As manifestações estão, portanto, desfocadas. Não é contra o aumento das tarifas que se tem de reclamar, mas em favor de uma revisão dos salários. Dá muito mais certo. Se não, cidadãos terão de manifestar diariamente pelo resto da vida: quando aumenta o pão, quando aumenta a luz, quando aumenta o gás, quando aumenta o leite. Até quando sobe o preço do xuxu.

Quando a casa tem dezenas de goteiras, não adianta tapar com esparadrapo nem trocar uma telha aqui, outra ali. Está na hora de reformar o telhado.