Ex-primeira-dama

José Horta Manzano

Li hoje um artigo que me pôs a par das últimas peripécias de Michelle Bolsonaro. O nome dela dispensa apresentações mas, se alguém devesse não a conhecer, é a esposa de nosso ex-presidente Jair Bolsonaro.

Fiquei sabendo que, longe de se resignar ao papel de rainha do lar, como convém a toda esposa de marido “conservador nos costumes”, dona Michelle desenvolve atividades múltiplas. A ex-primeira-dama vende sapatos, uma função diferenciada, como se costuma dizer hoje em dia.

Nos tempos de antigamente, vendedor de sapatos tinha de se ajoelhar diante de cada cliente e quase cheirar-lhe os pés, postura humilhante que não combina com a imagem que a Senhora Bolsonaro deseja projetar. Imagino que ela fique atrás do caixa, deixando que se ajoelhem os outros.

Além desse trabalho árduo, Madame está matriculada na Universidade Estácio de Sá, setor de Letras, modalidade EaD. Aprendi que a sigla EaD indica opção pelo ensino a distância. A informação que tenho é de que ela costuma estudar na própria sede do PL. Com certeza, ao estudar no partido, está buscando economizar o valor da assinatura a um provedor de sinal de internet; dessa forma, não paga internet nem energia.

Acho que é digna de aplauso toda iniciativa, seja de quem for, que tenha o objetivo de aprender e aumentar a própria bagagem de conhecimento. Que felicidade se todos os brasileiros seguissem os passos da antiga primeira-dama. A nação daria um salto adiante. (Não falo dos sapatos, mas dos estudos.)

Dizem que o sonho de dona Michelle é tornar-se senadora da República. Seria uma ascensão vertiginosa para quem jamais exerceu mandato nem função pública. E que, além disso, ainda frequenta os bancos da escola.

Ambição é bom mas, quando é demais, deslumbra o dono. E o dono periga tropeçar no próprio deslumbramento.

Primeiro de abril adiantado

José Horta Manzano

Quando o calendário marca primeiro de abril, é preciso ter cuidado ao ler jornal. Pelo menos, aqui na Europa é assim. Jornais, rádios e até canais de televisão costumam publicar notícias falsas dia 1° de abril. É a tradição, mas sempre há quem caia na conversa. Lembro-me de uma boa “pegadinha”, velha mas engraçada.

Coleção de sapatos de Imelda Marcos, hoje recolhida num museu filipino

Faz trinta anos. Uma revolução nas Filipinas, país que tinha sido dirigido a ferro e fogo durante 20 anos por Ferdinand e Imelda Marcos, acabava de botar pra correr o casal de ditadores. Pra salvar a pele, o casal tinha abandonado, de supetão, palácios e pertences.

Quando entraram nos aposentos da primeira-dama, os revolucionários ficaram atônitos. A mulher era vidrada em sapatos. Possuía mais de mil pares. E, olhe lá, não eram chinelo de dedo! Tudo coisa fina: Charles Jourdan, Louboutin, Christian Dior, Chanel, Ferragamo, Givenchy, Bally. A notícia correu mundo.

No primeiro de abril seguinte, um jornal de Lausanne (Suíça) anunciou que os sapatos de Imelda estavam em venda especial de um único dia a preços de liquidação. O excepcional acontecimento se daria naquele mesmo dia, num dos salões do maior hotel 5 estrelas da cidade. Parece que o hotel nunca foi tão visitado como aquele dia.

No Brasil, embora o 1° de abril seja chamado de “dia da mentira”, pilhérias entre adultos são raras. Regra geral, tudo não vai além de brincadeira de criança. Mas as coisas mudam, distinto leitor, as coisas mudam.

Uma edição falsa do jornal O Globo foi distribuída em São Paulo. Decerto ansiosos por chegar ao desenlace do plano, os autores da pilhéria não aguentaram esperar até o dia da mentira. Espalharam os jornais falsos na véspera, 31 de março.

Edição falsa de O Globo, 31 mar 2017

Pode parecer incrível, mas o material pôde ser encontrado em algumas bancas de jornal. Tinha o mesmo jeitão do jornal verdadeiro, com a exceção de ter sido impresso em formato tabloide. Trazia a manchete: “Temer renuncia: eleições são convocadas”.

O acontecimento se insere perfeitamente no Zeitgeist, no espírito atual em que informações verdadeiras e falsas se embaraçam a ponto de impedir todo cristão de separar o joio do trigo.

Se foi um primeiro de abril, foi engraçado, só que, da próxima vez, será melhor fazer na data correta. Se não foi, é mais uma manobra com segundas intenções. No ponto a que chegamos, uma a mais ou uma a menos não faz grande diferença.

Frase do dia — 184

«Ora, direis, olhar sapatos. Parece uma trivialidade, mas é uma aula de economia e de costumes. Dilma Rousseff calça a marca francesa Louis Vuitton, e Aécio Neves, a italiana Ferragamo. (…)

Marina Silva usa sapatos das marcas Beira Rio e Renner (100 reais pelo par).»

Elio Gaspari, em sua coluna no jornal O Globo, 24 set° 2014.