José Horta Manzano
Há forte similitude entre o modus operandi da clique que se apoderou da cúpula da Fifa e a que se aboletou na cúpula federal do Brasil. Para chegar lá e perenizar-se no poder, ambas se valeram do mesmo expediente: fizeram uso das regras em vigor. Concebidas para ser usadas por gente bem-intencionada, as regras não resistiram ao mau uso. Acabaram se voltando contra si mesmas num processo autodestrutivo.
No Brasil, mensalões e petrolões cuidaram da compra dos mandarins. A cooptação dos pequenos, menos complicada e menos arriscada, fluiu pela bolsa família – genial achado que garantiu ao governo o enfeudamento perene de hordas de assistidos.
Pros lados de Zurique, embora tenha saído mais caro, a Fifa seguiu caminho análogo. De todo modo, caro ou barato, que importa? A conta é sempre paga por terceiros.
Por mais benévolo que seja nosso olhar, não encontramos mais que uma vintena de grandes nações futebolísticas. A Fifa tem 209 membros. Na hora das escolhas, o voto de uma Andorra vale tanto quanto o de uma Alemanha. A voz do Nepal tem o mesmo peso que a da Inglaterra.
Os medalhões logo se deram conta de que, se era difícil cooptar uma Alemanha ou uma Inglaterra, ganhar o voto de numerosos pequenos países demandava menos esforço. E saía mais barato.
E assim fizeram durante anos e anos. Como o sistema estava dando certo, afrouxaram os controles. Boladas de dinheiro, cada vez mais consistentes, foram movimentadas pelo circuito bancário. Acreditando-se inimputáveis, os dirigentes do futebol mundial acharam que estava tudo dominado. Enganaram-se.
Os EUA começaram a se interessar pelo que acontecia. As razões são múltiplas:
* depois da Copa 1994, o esporte da bola no pé conheceu ganho de popularidade naquele país;
* os montantes movimentados são tão elevados que chamam a atenção e despertam desconfiança;
* os maiores patrocinadores da Fifa são empresas americanas, entre elas Visa e Coca-Cola;
* com bilhões, prestígio e métodos opacos, a Fifa começava a incomodar o poderio americano;
* a próxima copa está programada para se desenrolar na Rússia, país com o qual os EUA têm uma pendenga. A tentação de melar o jogo era muito grande.
No meu entender, está aí a explicação para o que está acontecendo. Sepp Blatter diz que pretende continuar no trono até o fim do ano. Imprudente, a afirmação não faz sentido. Seria como se Collor, havendo renunciado, guardasse as rédeas do País durante quase um ano, à espera de novas eleições.
Imagino que Herr Blatter seja despachado rapidinho. Depois disso, o mais adequado será substituí-lo pelo príncipe jordaniano – o único que ousou desafiar o poderoso capo. Agora que o chefão caiu, são muitos os que criaram coragem para se candidatar. São como toureiros posando com o pé em cima de touro morto. Valor tem de ser dado àquele que enfrentou a fera enquanto ela rugia.
No frigir dos ovos, o mundo saiu ganhando. Corruptores e futuros corrompidos pensarão duas vezes antes de agir. Por alguns anos, a Fifa deverá ser governada sem derivas mafiosas. Muita gente sente que, a partir de agora, o esporte mais popular do mundo será mais bem administrado.
Os EUA saíram bem na foto e acabaram ficando com o crédito desta verdadeira operação sorriso.