Panamá Papers ‒ 2

José Horta Manzano

Você sabia?

Não é a primeira vez que o nome do Panamá se encontra envolvido em escândalo de corrupção. Poucos se lembrarão do que aconteceu faz quase século e meio, quando aquela pequena tripinha no mapa da América Central esteve ligada a colossal estelionato planetário.

Diga-se, logo de cara, que o bom povo panamenho não teve participação nas negociatas ‒ nem naquela época nem agora. Entram no caso como Pilatos no Credo, por puro acaso.

Panama 3A construção do Canal de Suez, inaugurado em 1869, foi proeza inacreditável para a época. Por consequência, seus conceptores cobriram-se de glória e de respeito. A imaginação ganhou asas. Observando o mapa-múndi, todos se deram conta de que a perfuração de uma passagem naval na parte estreita da América Central encurtaria, em muitos dias, toda viagem de navio entre o norte do Atlântico e do Pacífico.

Em 1876, o primeiro projeto concreto foi apresentado pelo próprio Ferdinand de Lesseps, construtor de Suez. De olho no forte potencial de lucro, muitos se interessaram em participar. Desde o governo da França e banqueiros até pequenos poupadores.

Ação de 500 francos Cia. do Canal do Panamá, anos 1880

Ação de 500 francos
Cia. do Canal do Panamá, anos 1880

Com o passar dos anos, as dificuldades de construção exigiram mais e mais fundos. O número de participantes foi aumentando e o caso se tornou cada vez mais complexo. Numa espécie de Madoff dos tempos antigos, espertinhos se valeram da ocasião para dar golpe financeiro e arruinar dezenas de milhares de pequenos investidores.

Para encurtar a história, o problema se arrastou por uns vinte anos, frequentou tribunais, levou políticos e gente graúda para a cadeia e condenou pequenos poupadores à ruína econômica. Para coroar, a construção do canal foi abandonada. Só seria retomada por investidores americanos, que, trabalhando com maior seriedade, levaram a obra a cabo e inauguraram a ligação interoceânica em 1914.

A falência da Compagnie universelle du canal interocéanique de Panama foi inevitável. Durante décadas, o nome do pequeno país ficou associado a malversações.

Panama 2Embora o tempo tenha apagado a memória e já ninguém associe o escândalo da construção do canal a manobras escusas, os dicionários ainda guardam lembrança do que ocorreu.

O Houaiss, por exemplo, dá, entre as acepções do verbete Panamá, a gestão desastrosa de empresa pública ou privada, em que os dirigentes visam a enriquecer lesando os demais acionistas. Vai além. Diz também que é ‘panamá’ toda roubalheira em empresa (pública ou privada) ou repartição governamental.

O petrolão é, no fundo, gigantesco panamão.

Assim mesmo

Dad Squarisi (*)

Latim 1Expulsaram o latim da escola. Não adiantou nada. Ele vive assombrando a língua. Outro dia, o sic bateu à porta de redatores do jornal. Pintou a dúvida: o que as três letrinhas querem dizer?

Em latim, sic é advérbio. Significa assim, desse jeitinho. Nós o usamos ainda hoje. Vem, entre parênteses, depois de uma palavra com grafia incorreta, desatualizada ou com sentido inadequado ao contexto.

Com ele, damos este recado ao leitor: o texto original é bem assim, por errado ou estranho que pareça. Não tenho nada com isso. Percebeu? O sic deixa a gente dar uma de Pilatos – lavar as mãos.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

O Lula e os nazistas

José Horta Manzano

Não há dúvida: o Lula tem o dom do mimetismo. É capaz de captar o espírito do ambiente em que se encontra e devolver o que cada espectador deseja ouvir. Quando, anos atrás, se descreveu como «metamorfose ambulante», não estava gracejando: a definição era exata.

radio 3Tivesse ele surgido nos anos 40 ou 50, seu sucesso teria sido muito mais longevo. Teria durado 20 anos no poder ou até mais. Como Franco, Salazar, Stalin & companhia. O Lula procura sempre – dentro dos limites de sua própria erudição – adaptar o pronunciamento à plateia.

Para falastrões, o problema maior de nossos tempos é que a informação se propaga com a velocidade do raio. Falou aqui e agora, todo o mundo já está sabendo daqui a segundos. Portanto, ficou difícil restringir o discurso aos que compareceram de corpo presente. Celulares permitem propagação imediata por meio de voz, uotisápis, feicibúquis, fotos, vídeos e outros tchapitchápis.

Em pronunciamento feito ontem em Pernambuco, o Lula comparou Aécio Neves aos nazistas(!). Questionou o fato de o moço não ter pegado em armas contra a ditadura – escamoteando o fato de que, nascido em 1960, o senhor Neves era pré-adolescente quando dona Dilma tentava um golpe armado contra o governo.

Foi mais longe. Herodes, Jesus Cristo, The Economist e os banqueiros entraram no discurso. Discurso? Estava mais pra salada mista. O tribuno insistiu na contraposição entre «nós» e «eles», sendo que, desta vez, o «nós» são os nordestinos. «Eles» são o resto do povo brasileiro.

Foi ovacionado, naturalmente. A esmagadora maioria dos ouvintes não faz a menor ideia do que tenham sido os nazistas. Aliás, duvido que o próprio Lula tenha ampla noção do assunto. Ninguém calculou mentalmente pra se dar conta de que dona Dilma e o senhor Aécio não são da mesma geração e que, portanto, suas trajetórias não poderiam ter sido paralelas.

DiscursoHerodes entrou na história do Lula como Pilatos entrou no Credo: por estar no lugar errado e na hora errada. Mais desonesta ainda é a tentativa do Lula de identificar a mineira bem-nascida Dilma com os deserdados do Nordeste enquanto instala o mineiro bem-nascido Aécio como carrasco dos desprovidos.

Em resumo, uma fala sem pé nem cabeça, pronunciada por quem não sabe o que está dizendo e destinada a quem não sabe o que está ouvindo.

A difusão ultrarrápida da informação, no entanto, trabalha contra tribunos populistas. Discursos incisivos têm efeito ambíguo. Agradam a uns e chocam outros. Será por isso que os mandatários atuais se opõem tão ferozmente à liberdade de imprensa.