Aporofobia 2: Guarujá

Grand Hôtel, Guarujá
Primeiras décadas do século XX

José Horta Manzano

Faz poucos dias, fiquei indignado com a iniciativa da Prefeitura de Florianópolis de obrigar, a todo depenado que chegasse, fazer meia-volta antes que tentasse fincar pé na cidade. Me pareceu expressão violenta de aporofobia – repulsa a pobre.

Infelizmente, as classes dominantes (não só no Brasil, mas em todo o mundo) nem sempre são compostas por almas altruístas. Não costumam enxergar os infelizes que precisam de ajuda. Talvez vosmecê se lembre do dia em que Bolsonaro negou a existência da fome no Brasil: “Mas no Brasil ninguém passa fome!”, disse ele. Fez como fazem os que acreditam que a solução do problema consiste em negar sua existência.

Estes dias, de novo, fiquei sabendo de ocorrência de aporofobia explícita – a crer que tais fatos estão se tornando mais frequentes, com a liberação de sentimentos antes represados, mas agora permitidos, pela ascensão da extrema direita.

Guarujá, estação balneária situada no litoral do estado de São Paulo, já foi chique e livre de pobres, mas hoje, com as atuais facilidades de transporte, é cada dia mais procurada. Um século atrás, a estação era realmente para um punhado de famílias endinheiradas, que se hospedavam no Grand Hôtel para uma temporada de dois, três ou quatro meses.

Esse tempo passou. A partir dos anos 1950, prédios começaram a enfeiar a bucólica paisagem. Hoje o Guarujá se despersonalizou. Tornou-se uma fileira de edifícios sem alma, encavalados uns nos outros, com diferentes perfis, cores e alturas, a mostrar que nas orlas mal construídas nem sempre é feriado nacional.

É essa paisagem modernosa que tem atraído visitantes domingueiros, com certeza vindos da aglomeração paulistana em ônibus pretado. São turistas de poder aquisitivo modesto, que trazem a própria refeição e pisam a praia só para pegar uma cor e poder fazer inveja à vizinhança na segunda-feira.

A governança do município não tem apreciado nem um pouquinho essa moda. Impôs, a peruas e ônibus, a obrigação de pagar o que chamam “taxa de turismo” entre R$ 926 e R$ 4.630. Os visitantes indesejados, considerando os montantes exagerados, apelaram para a justiça. O tribunal acaba de publicar seu julgamento dando razão aos visitantes: os valores cobrados são incompatíveis com o o objeto da cobrança.

Concedo que, num domingo de sol (ou sem sol, dá no mesmo) é desagradável espreguiçar-se na areia ao som de um potente alto-falante que toca músicas que você não teria escolhido. Só que o remédio contra isso é mais simples do que impor taxas tão escandalosamente dirigidas contra visitantes pobres. Basta o município proibir que se toque música com alto-falante na praia. Hoje em dia, todos têm um celular e um par de fones de ouvido, pois não?

Esses domingueiros gesticulam, riem, brincam e falam muito alto? Pois acredite que não estão alegres porque são pobres – há muito bacana que, embora sizudo e mal-humorado, solta palavrão o tempo todo. Em voz bem alta, o que incomoda do mesmo jeito.

Quem considerar essa convivência insuportável, tem outra opção. Aos domingos, em vez de ir à praia no Guarujá, dê uma esticada até São Sebastião e combine com um barqueiro que o leve até uma praiazinha deserta, do outro lado da ilha, lugar paradisíaco onde dá pra sonhar que se está em Tahiti.

Mas, se quiser voltar inteiro, não se esqueça de levar um bom repelente contra mosquitos, pernilongos e muriçocas.

Ricos novos e novos-ricos

José Horta Manzano

Novo-rico é a forma aportuguesada da expressão francesa nouveau riche. Tem conotação fortemente pejorativa exatamente como o original. Designa todo indivíduo de origem modesta que enricou em pouco tempo mas que, embora tendo atingido condição social e financeira superior, não adquiriu cultura nem boas maneiras condizentes com a nova situação. Outra palavra francesa de mesmo significado é parvenu, também dicionarizada.

De riquinhos que chegaram a amealhar alguns milhares de reais, o mundo está cheio. Não é desses que falo aqui. Refiro-me aos que juntaram centenas de milhões ou, em alguns casos, bilhões. Pra quem passou infância remediada, a tentação é grande de gritar a todos: «Cheguei lá!». Há mil maneiras de animar esse circo de vaidades.

Lamborghini semelhante à que Senhor Batista exibia na sala

Lamborghini semelhante à que Senhor Batista exibia na sala

Hoje caiu um pouco de moda, mas, algumas dezenas de anos atrás, compravam-se títulos de nobreza. Tivemos, no Brasil, diversos casos de descendentes de imigrantes italianos que se mostraram simpáticos ao rei da Itália e conseguiram nobilitar-se. Foi o caso de Francisco Matarazzo, que começou como mascate e chegou a ter o maior império industrial da América Latina em meados século passado. Foi “enobrecido” com o título de conde.

Outro que ainda hoje exibe o título adquirido é o conde Francisco Scarpa(*), aquele que outro dia chamou a mídia para assistir ao enterro de um automóvel de luxo no jardim. Na intenção de expor riqueza, acabou mostrando que a estupidez humana não tem limites. Teria sido mais elegante e útil leiloar o carro e doar o dinheiro ao Hospital do Câncer.

Hoje em dia, as poucas casas reais que sobram na Europa já não distribuem alvarás de nobreza como nos bons tempos. Para se destacar da multidão, novos-ricos têm de bolar outros métodos.

Estes dias, tem-se falado muito num certo senhor Batista, que chegou a possuir a maior fortuna do país, uma das maiores do planeta. Como legítimo representante da casta dos novos-ricos, esse senhor teve estapafúrdia iluminação: expôs um automóvel de luxo em plena sala de estar, ideia que Freud não teria dificuldade para explicar.

Parece, no entanto, que sua propalada fortuna não passava de vento, de puro gogó. Na verdade, o dinheiro era nosso. Desmascarado, o homem está fazendo atualmente um retiro espiritual no Complexo de Gericinó. Terá tempo de sobra para analisar as façanhas que cometeu.

Donald Trump: apartamento familiar

Donald Trump: apartamento familiar

«Un bien mal acquis ne profite jamais à celui qui le possède» ‒ um bem mal adquirido não beneficia jamais àquele que o possui, diz um sábio provérbio francês. Deus sabe por onde andará o automóvel de luxo, aquele da sala de estar, hoje devidamente confiscado. De qualquer maneira, o moço já não precisa dele: anda agora de carona nas elegantes peruas da PF.

Na outra ponta, no rol dos ricos novos que não se deixaram tentar pelo exibicionismo, temos Herr Ingvar Kamprad, de quem dificilmente o distinto leitor terá ouvido falar. Trata-se do criador da IKEA, rede de 330 enormes lojas de móveis distribuídas por 28 países, com cerca de cem mil funcionários. O faturamento anual é próximo de 30 bilhões de euros.

Originário de um vilarejo sueco, o homem está com 90 anos. Cresceu em ambiente modesto. Todo o dinheiro que ganhou veio do trabalho e não de trambiques com cumplicidade do governo. Dizem que levou vida simples e sempre viajou de classe econômica. Ano sim, outro também, aparece na lista dos mais ricos do mundo.

Cada um faz o que quer com o próprio dinheiro, isso é fato. No entanto, conforme o destino que cada um dá à própria fortuna, é fácil constatar o grau de sabedoria do afortunado: se é rico novo ou apenas novo-rico.

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(*) Em italiano, Scarpa quer dizer sapato, curioso sobrenome para um membro da nobreza, né não? De toda maneira, títulos nobiliárquicos não têm mais validade oficial na Itália atual.