De cara limpa

José Horta Manzano

Dia 16 de fevereiro, faz mais de um mês, o governo federal suíço fez um aviso importante: a partir da zero hora do dia seguinte, o uso de máscara anticovid deixava de ser obrigatório no país inteiro. A liberação incluía todos os lugares públicos fechados: supermercados, lojas, centros comerciais, igrejas, teatros, cinemas, bibliotecas, universidades. O uso da máscara continuava obrigatório apenas no transporte público e em hospitais, clínicas e casas de repouso para idosos.

Pois acredite: a partir do dia 17 de fevereiro, todos tiraram a máscara. Excetuando um gato pingado aqui, outro ali, todos acreditaram nas autoridades. Foi como se o Conselho Federal (o Executivo colegiado) tivesse o poder de expulsar os vírus para fora das fronteiras e decretar o fim da pandemia. Com hora e dia marcados.

Passado mais de um mês, este blogueiro, que é prudente, não põe os pés nem no elevador sem ostentar aquela mascarinha esverdeada, modelito básico made in China, incômodo, mas precioso. Às vezes sinto que me olham como se eu fosse um E.T. que acaba de desembarcar de um disco voador.

Um mês depois da Suíça, o governo paulista aliviou – ou “flexibilizou”, que é a palavra oficial – as regras de uso de máscara em ambiente fechado, em todo o território do estado. Em “shoppings”, faculdades, escritórios e estabelecimentos comerciais, pode-se de novo mostrar o sorriso. E qual foi a reação popular? Lançaram “hurras!” de alegria e alívio?

No primeiro dia, repórteres de campo fizeram contagem da população e repararam que os passantes se distribuíam entre os que, adotando imediatamente a liberação, saíram sem máscara (30%) e os mais prudentes, que preferem esperar pra ver o que vai dar (70%).

Como a situação evoluiu, não sei. Mas no início, apenas 3 de cada 10 paulistas acataram imediatamente as diretivas oficiais. Houve até gente que confiou ao repórter que, no transporte coletivo, pretendia continuar usando máscara “pelo resto da vida”. É grave, doutor?

Meu diagnóstico não tem a pretensão de estabelecer nenhuma verdade estatística, mas mostra uma tendência. Uma linha demarcatória pode ser traçada entre a reação de cada um dos povos mencionados.

Os suíços
1) Botam fé (até demais) nas autoridades. Acreditam no que ouvem, não se rebelam e seguem as ordens.

2) Têm consciência de que os eleitos realmente representam o povo e que a voz das autoridades é, no fundo, a voz da população.

Os brasileiros
1) Em princípio, desconfiam das próprias autoridades. Têm dificuldade em acreditar em diretivas oficiais e em segui-las. Não acreditando no que ouvem, costumam rebelar-se. Dependendo da época, essa revolta já se exprimiu pelas armas, pelas revoluções, pelas marchas, pelos protestos, pelos panelaços; hoje, a rebeldia marca presença nos comentários, raivosos ou não, lançados em redes sociais.

2) Têm consciência de que os eleitos constituem uma classe à parte e que vivem desligados do povo que os elegeu. Sabem que os valores que movem as autoridades não representam necessariamente os valores dos eleitores.

A Suíça é formada por 26 cantões, cada um com sua própria Constituição, suas regras fiscais, seu sistema escolar. Uns cantões são de maioria católica, outros têm mais protestantes, outros são “mistos”. Há cantões predominantemente urbanos, enquanto outros são rurais. Uns são ricos, ao passo que outros são bem menos abastados.

Se esse complexo quebra-cabeça – com populações que não se entendem nem frequentam a mesma igreja – conseguiu, há séculos, encontrar uma fórmula de convivência harmoniosa, por que continuamos nós, no Brasil, a cavar fossos entre “nós e eles” e a alimentar campanhas de ódio contra os que não pensam como nós?

Quando a gente não consegue fazer um mingau que preste, convém pedir a receita ao vizinho.

De Davi para Golias

José Horta Manzano

Com frequência, o Brasil se furta a levar a mão ao bolso quando o assunto é cooperação internacional. Enchentes, furacões, terremotos e demais catástrofes que acontecem do outro lado do mundo nos deixam com cara de paisagem.

«Eles que se virem.»

«Somos um país pobre, que não tem nem suficiente pra alimentar o próprio povo; como é que vamos ajudar outros?»

«De qualquer maneira, os países ricos vão ajudar; o problema não é nosso.»

Esses são os argumentos habituais. Ora, se nem nossas catástrofes nacionais nos abalam, como é que hemos de nos importar com as dos outros, não é mesmo?

E seguimos nosso caminho, alma lavada e consciência tranquila. A humanidade inteira não tem a mesma visão egocentrada. Felizmente.

Portal de mídia pública da República de São Marino

A República de São Marino é um país minúsculo. No mapa, é um retângulo irregular de apenas 7km de largura por 9km de altura. O país está encravado na Itália, que o circunda integralmente – nem saída para o mar tem. É um daqueles acidentes históricos que, esquecido por todos, atravessaram os séculos sem despertar cobiça em invasores.

O sistema político é original e interessante; qualquer hora escrevo a respeito. A população não chega a 34 mil pessoas e o PIB são-marinense é 1.200 vezes menor que o brasileiro. Pois o governo de um país que pouca gente saberia apontar no mapa tomou a decisão de dar uma mão ao Brasil para combater a epidemia de coronavírus.

Comovidos com o estrago provocado pelo alastramento da doença em nosso país, os eleitos de São Marino despacharam, com destino à prefeitura de São Paulo, um pequeno carregamento de 3.000 máscaras e 100 trajes de proteção. Não é a salvação da lavoura, mas é um símbolo forte. A doação mostra a maneira como todos deveríamos agir quando vemos o próximo em dificuldade. O mundo dá voltas – nunca se sabe o que pode acontecer amanhã.