Carolina do Norte e Niterói

José Horta Manzano

Para quem está acostumado com o esquema 1 eleitor = 1 voto, o sistema eleitoral americano parece surpreendente. Como é que é? Não é o mais votado que vence? Pois é, não é necessariamente o mais votado que vence. Em cinco ocasiões, ao longo da história americana, aconteceu de o vencedor ser o candidato que tinha ficado em segundo no voto popular. Da última vez, foi justamente em 2016, quando competiam Donald Trump e Hillary Clinton. Para nós, é desnorteante. É o famoso “ganha, mas não leva”.

Tudo tem um porquê. Nos tempos de antigamente, quando o sistema foi instituído, o mundo era outro. Não havia internet, nem tevê, nem rádio, nem fax, nem telex, nem telefone. Não havia nem mesmo estrada de ferro. Ainda que o território fosse menos vasto que o de agora, os EUA já eram um país enorme. Viagens eram demoradas e penosas, por estradas poeirentas ou nevadas, em veículo a tração animal.

Por essa razão, ficou combinado que, a cada 4 anos, na hora de escolher o presidente do Executivo, os eleitores de cada estado federado escolheriam, por voto popular, uma comitiva de grandes eleitores, cujo papel era representar os eleitores do estado. No dia marcado, cada unidade da federação enviaria seu grupo de grandes eleitores à capital do país. Cada grupo levava o resultado do voto de seu estado. Na época, a solução era excelente: evitava transportar papéis, borderôs, livros ou urnas.

O tempo passou, muita coisa mudou. Hoje há rádio, tevê, telefone, internet. Viaja-se de trem, de carro, de avião. As mulheres têm (já faz tempo) o direito de votar. No entanto, acomodados com um sistema secular, os americanos hesitam em alterá-lo. A cada vez que a apuração se espicha e ameaça terminar nos tribunais, volta-se ao assunto. Em seguida, as coisas se acalmam e o assunto morre. Até a próxima eleição.

by Adam Zyglis (1982-), desenhista americano

Outra particularidade da eleição americana, surpreendente para um país avançado, é a lentidão da apuração. Neste ano de pandemia, a razão da demora foi o fato de grande parte do eleitorado ter dado preferência ao voto enviado por correio em vez de se arriscar a apanhar um vírus qualquer num local apinhado.

Os estados têm bastante autonomia para fixar as regras da apuração. Alguns deles só validam as cédulas que forem recebidas até o dia do voto nacional – o que me parece correto. Já outros reconhecem votos que cheguem mais tarde; a Carolina do Norte, um caso extremo, aceita votos que deem entrada até 12 de novembro (9 dias depois da eleição). Essa medida é uma maçada, na medida que trava a proclamação do resultado nacional.

Não acredito que o esquema de eleição indireta venha a ser modificado tão cedo. Mas ouso esperar que, com o objetivo de evitar a angústia deste 2020, as normas de aceitação de votos antecipados seja revista. Dependesse de mim, só os votos recebidos o mais tardar 3 dias antes do pleito seriam validados. Assim, a comissão de apuração já poderia começar a trabalhar antecipadamente, de modo que, no dia do voto final, o resultado final sairia rapidinho.

O que eu disse acima não passa de visão de espírito, pura opinião pessoal. Como diziam os gaiatos no Rio de antigamente: ‘não sou daqui, sou de Niterói’(*).

(*) São palavras de um samba de Ataúlfo Alves e Wilson Batista, lançado em 1941 por Aracy de Almeida. No youtube aqui.

Insinuação venenosa

José Horta Manzano

Chamada do Estadão, 26 dez° 2016

Chamada do Estadão, 26 dez° 2016

Digamos que, em matéria de presente de Natal, Mrs. Hillary Clinton não deve ter apreciado muito. Afinal, ele está insinuando que o partido perdeu a parada por não ter candidato à altura.

Se bem que… acho que o homem não está tão errado assim.

Afinal, quem vence?

José Horta Manzano0-Sigismeno 1

Ontem à tarde, cruzei com meu amigo Sigismeno. A prosa foi curtinha porque estávamos os dois apressados. Assim mesmo, depois das amenidades costumeiras ‒ olá, como está, tudo bem, a família, a saúde ‒, fiz questão de pedir o prognóstico dele para a eleição presidencial dos EUA.

‒ Afinal, quem ganha?

‒ Hillary Clinton evidentemente!

‒ Mas, Sigismeno, as pesquisas andam meio assim assim. Um dia acham que ganha ela, outro dia garantem que ganha ele. De onde vem a sua certeza?

Crédito: DonkeyHotey

Crédito: DonkeyHotey

‒ Ora, é o Sistema. Ninguém vence o Sistema.

‒ Sistema, Sigismeno? Que sistema? É algum método mágico de ganhar sempre na loteria, é?

‒ Não brinque com coisa séria. O Sistema, assim com S maiúsculo, é o conjunto dos donos do mundo.

‒ Que é isso, Sigismeno? O mundo não tem dono. É de todos.

‒ Isso é balela pra inglês ver. Sistema é o nome que eu dou ao que outros chamam de establishment. Falo do conjunto de gentes e de interesses que regem o mundo. Falo do clube relativamente restrito que, em virtude da força financeira, segura as rédeas da política mundial.

‒ Uma espécie de conspiração mundial, Sigismeno?

‒ Menos, meu amigo, menos. Só conspira quem pretende tomar o poder da mão de outros. Os donos do poder não precisam conspirar. Já estão lá.

A Casa Branca segundo Donald Trump by Patrick Chappatte, desenhista suíço

A Casa Branca segundo Donald Trump
by Patrick Chappatte, desenhista suíço

‒ E por que é que Mister Trump não é aceito pelo tal de Sistema?

‒ Porque se recusa a entrar no molde. O Sistema é discreto, enquanto o boquirroto Trump fala muito e diz muita bobagem. O Sistema tem plano e rumo, enquanto o imprevisível Trump é impossível de ser controlado. O Sistema faz questão de ser impessoal, de não ter rosto definido, enquanto o Trump, dono de ego superinflado, faz tudo pra aparecer, desde Boeing pessoal até esposa vistosa. Personalidades assim não podem entrar para o clube.

‒ Ah, Sigismeno, mas como é que o Sistema pode impedir que o povo escolha? Só se os resultados forem manipulados! Você ousa imaginar que, nos EUA, isso seja possível?

Meu amigo deu uma rápida olhada no relógio. Desculpou-se por ter de se despedir imediatamente. Virou as costas e se foi.