Voz discordante

José Horta Manzano

Domingo, 16 ago 2015, os passos de centenas de milhares de cidadãos ecoaram em mais de duzentas de cidades – até no exterior.

Os principais jornais brasileiros acompanharam, minuto a minuto, a manifestação de cidadãos. Ponto importante: o encontro tinha sido convocado, não organizado. Nenhum ônibus foi contratado para conduzir os protestantes. Nenhuma merenda lhes foi oferecida. Nenhum pagamento por serviços prestados lhes foi feito.

Lá pelas 19h, o portal dos dois mais importantes jornais paulistas trazia informação contraditória.

Manchete do Estadão 16 ago 2015

Manchete do Estadão online
16 ago 2015

No mundo todo, estimar quantidade de participantes de manifestação de rua é tarefa privativa da polícia. Helicópteros, drones e outros aparelhos sofisticados facilitam a operação.

Pois a firma Datafolha, ligada à Folha de São Paulo, resolveu enveredar por esse caminho. Desprezando centenas de milhares de manifestantes, dedicou-se unicamente à marcha paulista. Já tinha feito isso em recentes manifestações – ontem reincidiu.

É inabitual um instituto de sondagem de opinião dedicar-se a esse tipo de tarefa. Não dispõem dos meios que a polícia tem à mão. Assim mesmo, foram em frente. É interessante notar que a contagem do instituto de pesquisa de opinião tem resultado em número sistematicamente inferior à estimativa policial. Desta vez, exageraram.

Manchete da Folha de São Paulo 16 ago 2015

Manchete da Folha de São Paulo online
16 ago 2015

A polícia afirma que 350 mil cidadãos marcharam na Avenida Paulista. Enquanto isso, o instituto garante que só contou 135 mil cabeças. Trocado em miúdos, onde a polícia viu 100 pessoas, o Datafolha só enxergou 38,5. Bizarro, não? «Something is drastically wrong» – algo está terrivelmente errado, como dizem os ingleses.

Se a diferença já é, em si, chocante, mais inquietante é constatar que o resultado do referido instituto é – sistematicamente – inferior ao oficial.

Enfim, as coisas estão nesse pé. Para publicar números tão discordantes, o instituto paulista deve ter particular interesse. Não se costuma abalar uma reputação por dez merréis.

Pesquisa de opinião

José Horta Manzano

A Europa é especialista em passeatas e manifestações de rua. Nesse quesito, a França sobressai: é campeã em todas as categorias. Por um sim, por um não, saem todos de casa, percorrem avenidas, reagrupam-se em praças simbólicas. Algum discurso pode até pintar. Em seguida, dispersam-se.

Folha tendencia 3Pode acontecer – mas é raro – que alguma passeata degenere. Vândalos desocupados podem surgir de alguma ruela, rosto dissimulado atrás de cachecol e capuz. Pouco se lhes dá o motivo da manifestação – vêm praticar seu esporte preferido: arrebentar vitrines. Aparecem, o mais das vezes, em passeatas gigantescas. É compreensível: quanto mais gente houver, mais fácil será confundir-se com a multidão e escapar a toda sanção.

No dia seguinte, sai a estimativa do número de participantes. Cada lado faz suas continhas. Manifestantes, compreende-se, costumam inflacionar números. Todos esperam pela estimativa da autoridade policial, a mais confiável, que tende a se aproximar da verdade.

No Brasil, manifestações de rua são menos frequentes. Em compensação, quando acontecem, chamam a atenção pelo elevado número de participantes. Observadores consideram a de domingo passado, 15 março, a maior exteriorização de protesto já registrada em nossa história.

Como no resto do mundo, a estimativa de participação tem duas versões. Na verdade, dado que a manifestação não foi convocada por nenhum grupo organizado – sindicato, central operária, corporação profissional, partido poítico – um só número deveria ser publicado: o das autoridades policiais. Em princípio, nenhum outro se lhe poderia contrapor.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

No entanto… o Brasil não é país como os demais. Enquanto, na Europa, a estimativa da polícia é contestada pelos organizadores da passeata, no Brasil ocorreu fato assaz curioso. Um instituto de pesquisa de opinião, contratado sabe-se lá por quem, houve por bem dividir por cinco a estimativa policial.

Em números claros, a PM de São Paulo calculou que um milhão de manifestantes lotaram a Avenida Paulista e ruas adjacentes. O Instituto Datafolha, por seu lado, tem outra versão. Assegura que não mais que 200 mil pessoas lá estiveram. A brutal diferença é de deixar cismado.

Palavras com que o instituto de opinião Datafolha se apresenta.

Palavras com que o instituto de opinião Datafolha se apresenta.

Dei uma espiada no site do instituto. Ele se apresenta como “instituto de pesquisa de opinião”. Na Europa, não me lembro de jamais ter visto instituto de pesquisa de opinião contar participantes de passeata. Colher opiniões, sim, que é seu ganha-pão. Calcular quantidade de gente, não – não faz parte do ADN (DNA) desse tipo de instituição.

A bizarria do acontecido, principalmente o fosso entre os números da polícia e os do instituto, deixa no ar incômoda suspeita de pau-mandado.

Interligne 28aPS 1:
De uns tempos a esta parte, tenho notado que o site da Folha de São Paulo suaviza notícias susceptíveis de ferir sensibilidades no andar de cima. Ao mesmo tempo, enfatiza as que possam afagar o Planalto. No capítulo “nós x eles“, veja a chamada publicada na manhã deste 17 mar 2015. Em matéria de tendenciosidade, é um primor:

Folha tendencia 1PS 2:
Ao dar-se conta da repercussão fortemente negativa de sua “estimativa científica”, o jornal Folha de SP publica hoje longa matéria abarrotada de números. Porcentagens pra cá, quocientes pra lá. Cheira a cortina de fumaça para amenizar o estrago que a imagem do instituto sofreu.