Internacional reacionária

Viktor Orbán, Giorgia Meloni, Donald Trump, Marine Le Pen, Elon Musk

José Horta Manzano

Duas semanas atrás, num discurso proferido na Conferência dos Embaixadores em Paris, o presidente Macron se referiu a Elon Musk como o homem que “dá apoio a uma nova Internacional Reacionária. Nessa comparação, ele se referiu a duas organizações que realmente existiram: a Internacional Comunista (que viveu de 1919 a 1943) e a Internacional Socialista (fundada em 1951 e que ainda sobrevive).

Essas duas organizações buscavam favorecer a implantação do comunismo (respectivamente, do socialismo) em todos os países. Como sabemos hoje, o objetivo de nenhuma das duas foi alcançado, embora ainda haja muita gente assustada com o “perigo do socialismo”. O próprio capitão, quando conduzia(!) o Brasil, declarou na ONU que tinha livrado nosso país do perigo do socialismo.

Hoje Donald Trump toma posse do cargo que havia perdido quatro anos antes. Volta a ser presidente dos Estados Unidos por um mandato único e não renovável de quatro anos. A tradição americana não inclui convidar políticos estrangeiros para assistir às cerimônias. Assim mesmo, expoentes da extrema direita internacional fizeram questão de anunciar, com antecedência, sua presença.

Assim, os regozijos pela assunção de Trump contarão com o prestígio de três chefes de Estado ou de governo em exercício: Giorgia Meloni (primeira-ministra da Itália), Viktor Orbán (primeiro-ministro da Hungria) e nosso vizinho Javier Milei, presidente da Argentina.

Mas não é só. Eric Zemmour, ex-candidato à presidência francesa já confirmou presença. As francesas Sarah Knafo e Marion Maréchal, ambas deputadas europeias, também vão. Todos os três são conhecidos por suas posições de direita extrema, anti-imigração, isolacionistas, antimuçulmanos.

Há mais figuras peculiares. O espanhol Santiago Abascal, do partido extremista Vox, estará presente. É aquele que gostaria de enforcar os independentistas da Catalunha por crime de traição. Um espírito suave e tolerante, como se vê.

Outro que fez questão de marcar presença é o britânico Nigel Farage, um dos líderes do movimento isolacionista que culminou no (hoje pranteado) Brexit.

Um alto dignitário do partido Alternative für Deutschland estará, naturalmente, entre os políticos europeus presentes. Afinal, Elon Musk declarou que seu partido extremista, o AfD, era o único capaz de “salvar a Alemanha”. Parece mentira, mas é verdade. Faz poucos dias que isso aconteceu.

Não se sabe bem por que razão, a francesa Marine Le Pen estará ausente. Uns dizem que ela não foi convidada. Outros creem que ela procura se resguardar com vistas às próximas eleições presidenciais. Não quer perder pontos aparecendo em má companhia.

Tem um que anda choramingando pelos cantos. Fez besteira grossa e está de castigo sem poder viajar. Ah, e ele gostaria taaaanto de estar naquele clube acolhedor, no meio de tanta gente fina, todos se ajoelhando diante de um mesmo senhor. Perder uma festa dessas é punição pior que uns dias na cadeia. Ah, como Jair Bolsonaro deve estar se sentindo mal. Excluído de uma reunião da Internacional Reacionária! Ai, como dói.

Raiva do Xandão que não deu licença. Saudades do Trump e dos bons tempos de recepção em Mar-a-Lago. Medo de ser superado por Milei no coração de Trump. Tristeza de não poder se encontrar pessoalmente com Orbán para cobrar a verdadeira razão pela qual a embaixada da Hungria em Brasília não lhe concedeu asilo.

Tem nada não, fica pra outra vez. Mas… será que haverá outra vez?

Guinada à direita extrema

José Horta Manzano

Estes últimos anos, a Europa tem sido palco de forte afluxo migratório composto pelos que fogem de situações de conflito e pelos que simplesmente buscam um futuro melhor. Nem sempre é fácil fazer a distinção entre os perseguidos pela guerra e os que fogem da fome. Se bem que, no fundo, são todos fugitivos. É legítimo que todo ser humano busque melhores condições de vida.

No entanto, por maior que seja a benevolência, o volume de clandestinos que chegam diariamente é tão elevado que causa problemas. Os recém-chegados desconhecem a língua e os costumes do país que os acolhe. Muitas vezes, professam religião diferente e raramente têm formação profissional. Acabam se sentindo como se tivessem desembarcado noutro planeta. Quanto aos nativos, assustados com a quantidade de novos imigrantes, tendem a rejeitá-los.

Reichstag ‒ o palácio que acolhe o Parlamento alemão

Anos atrás, um primeiro-ministro francês ‒ aliás, membro do Partido Socialista ‒ disse algo como «A França não pode acolher toda a miséria do mundo». Se as palavras não foram exatamente essas, a fala mostrava um certo desalento. Quanta miséria a França pode acolher? A pergunta ficou no ar. E está sem resposta até hoje.

Na época, era só a França, mas hoje praticamente toda a Europa enfrenta a mesma questão. Que fazer? Fechar fronteiras? Construir muros à moda de Mister Trump? Instalar cercas de arame farpado? Ou deixar entrar quem quiser? Não é fácil encontrar solução. Por mais segura que seja a canoa, a capacidade de receber passageiros é limitada. Ultrapassado o limite, ela periga afundar. Como é que fica, então?

A consequência inevitável desse estado de coisas é o fortalecimento de sentimentos nacionalistas, antieuropeus e xenófobos. Partidos de extrema-direita, que haviam desaparecido desde o fim da Segunda Guerra, ressuscitam revigorados. O fenômeno é visível, já faz alguns anos, na Itália, na França, no Reino Unido. Ultimamente, Hungria, Polônia e República Tcheca acompanham o movimento. Até poucas semanas atrás, a Alemanha se mantinha fora do clube. Isso acabou.

Sessão do Bundestag ‒ os deputados federais alemães

As recentes eleições legislativas deram força à AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema-direita. Conseguiram eleger, de uma vez, 92 deputados para o Bundestag, a câmara baixa. É a primeira vez, desde 1945, que a direita extrema logra eleger deputado. O partido tornou-se, da noite para o dia, a terceira força política do país. É pra deixar muito alemão horrorizado. Os fantasmas do passado tenebroso estão saindo do baú.

Abre-se esta semana a nova legislatura do Bundestag. Por tradição, o discurso inaugural é feito pelo deputado mais idoso, seja ele de que partido for. O problema é que, desta feita, o mais velho era justamente um senhor eleito pelo partido de extrema-direita. Pior que isso, Herr von Gottfried (77 anos) é ferrenho adepto da corrente negacionista, daqueles que garantem que as câmaras de gás nunca existiram e que a exterminação dos judeus não passa de um mito.

Às pressas, o regulamento do parlamento foi modificado. O discurso de abertura passou a ser confiado ao deputado mais antigo, não ao mais idoso. A manobra salva as aparências mas, infelizmente, o problema continua tal e qual. A subida de forças nacionalistas de extrema-direita é pra lá de inquietante. Principalmente na Alemanha.