Gabriel Boric, o jovem presidente do Chile eleito recentemente, arrancou a todo vapor, disposto a mostrar-se antenado e sintonizado com as tendências dos tempos atuais. Estendeu tapete vermelho para o feminismo e para a linguagem inclusiva – adulada por uns, execrada por outros.
No discurso de entronização, Boric já deu o tom. Afirmou que seria “o presidente dos chilenos e chilenas”. Sua alocução foi recheada daqueles cansativos “todos e todas”, “chilenos e chilenas”, “cidadãos e cidadãs”. O moço ousou adulterar uma frase famosa de Salvador Allende – seu ídolo, assassinado em 1973 pelos esbirros de Pinochet. Onde Allende havia dito “o homem livre”, acrescentou “a mulher livre”.
Até na distribuição das pastas ministeriais, especial atenção foi prestada às mulheres. Foi criado o Ministério da Mulher e da Igualdade de Gênero. Evidentemente, a titular é uma mulher.
Semana passada, o subsecretário da Saúde Pública, um certo Señor Cuadrado, discursou ao lado das titulares da Saúde e da Igualdade de Gênero. Diante de uma plateia de jornalistas, discorria sobre o trabalho que sua secretaria vem exercendo para oferecer remédios à população carente.
A certa altura, lançou: “E avançamos sobretudo na ideia do direito à saúde, no qual os e as medicamentos são fundamentais para poder garantir o acesso à saúde”.
A gargalhada geral ecoou por toda a mídia latino-americana e foi parar até no Youtube. O excesso de zelo do aplicado funcionário pregou-lhe uma peça e mostrou a inconsistência e o artificialismo da linguagem dita “inclusiva”. Esse modismo, que alguns entendem como obrigatório, é tentativa de distorcer idiomas sedimentados há séculos.
Quem envereda por esse caminho mostra não entender que gênero gramatical não se confunde com sexo humano. As duas noções nem sempre vão de mãos dadas.
Falar para um público de bom nível já é suficientemente complicado, especialmente numa terra como a nossa, em que a língua caseira diverge sensivelmente da norma culta. Não vale a pena acrescentar um fator complicador.