Dias atrás, o Lula esteve presente a um evento na sede da CUT – Central Única dos Trabalhadores. Falando para plateia amestrada, aproveitou para dar instruções aos militantes. Incentivou-os a formar grupos de 50 pessoas para missão especial: cada grupo cuidaria de um parlamentar não-petista. Para isso, os 50 iriam juntos à casa do político-alvo para incomodá-lo e pressioná-lo a entender as propostas do candidato Lula. À força.
Assim mesmo, foi indulgente. Recomendou que ninguém xingasse, mas que conversassem “com a mulher e com o filho” do parlamentar “sem incomodar ninguém”. Não explicou como se faz para enfiar 50 visitantes num apartamento “para conversar com a mulher e o filho” sem incomodar ninguém.
A proposta do ex-presidente traz dois espantos. O primeiro é o surrealismo da sugestão. Imagine o distinto leitor que, de repente, apareçam à sua porta 50 desconhecidos – sem xingar, só pra conversar, naturalmente. Manda entrar ou dá com a porta na cara?
Inteirados da proposta, dois ou três suaves parlamentares bolsonaristas já deixaram claro que, se o grupo ousar bater-lhes à porta, será recebido à bala. Bem explícito, um deputado federal disse isso num vídeo em que acaricia uma pistola. Outra refinada deputada foi pelo mesmo caminho e prometeu “pregar bala” em quem ousasse mexer com seu filho.
Um segundo espanto é perceber que, em décadas de militância política como dirigente sindical, deputado constituinte e presidente da República, o Lula ainda não aprendeu que ações à moda staliniana (ou putiniana) não são as melhores pra convencer. Qualquer promessa que o parlamentar “visitado” pudesse formular diante de 50 invasores de domicílio teria valor nulo. A coação seria facilmente demonstrada. Declaração extorquida sob intimidação não tem valor legal.
Já ouvi, mais de uma vez, certos “influenciadores” aconselharem eleitores a escreverem a seus deputados. Dependendo da idade e do gosto de cada um, vale escrever por carta, telex, fax ou email, tanto faz. O objetivo é simples. Deputado que vê sua caixa de emails repleta com milhares de mensagens de eleitores não vai ficar indiferente. Pode até nem analisar uma por uma, mas vai parar pra refletir, é certeza.
Conselho dado a militantes para que se dirijam em grupos de 50 para uma visitinha à família de parlamentares, confesso, é a primeira vez que ouço. E pensar que essa sandice vem de um homem que já chefiou o Estado brasileiro por 8 anos!
Nota cínica
Lula fala como se acabasse de descobrir a melhor maneira de propagar as virtudes de seu projeto de governo. Ora, em matéria de convencer parlamentares, já faz 20 anos que o lulopetismo descobriu a receita certeira.
Montar brigadas de 50 militantes para visitinhas domiciliares? Qual nada! Isso é ideia romântica, que povoa a cabeça de adolescentes idealistas. Raposa velha como o demiurgo de Garanhuns sabe que não dá certo e que o caminho é outro.
Um mensalão é bem mais simples, discreto e eficaz. Basta escolher os beneficiários e acertar o montante. No escurinho dos gabinetes. Longe dos holofotes. Na moita. Não é Luiz Inacio?
Nota nem tão cínica
Renovo minha sugestão de que todo candidato ao mais alto posto da República seja primeiro submetido a exame psicológico/psiquiátrico. É pra ver se está bem dos miolos.
É verdade que, se minha ideia fosse levada adiante, era capaz de ficarmos sem candidato para outubro. Se acontecer, na hora a gente vê o que faz.
Vivendo durante 53 anos no Brasil, aprendi que a corrupção, neste país, é sistêmica. Ela não é apenas o núcleo duro do campo político, é um preceito que aprendemos desde cedo. Quando vemos nosso pai ou nossa mãe entregando atestado falso no emprego; quando exercemos poder autoritário sobre a empregada doméstica; quando tentamos mentir para o fisco, quando temos um comércio e não entregamos a nota fiscal de compra para o cliente, etc. Vivemos desde sempre cometendo crimes e ao mesmo tempo não aceitamos a corrupção dos políticos. Mas quem são os políticos senão homens e mulheres do Brasil? Eles e elas são o espelho de todos nós, que os elegemos. Vieram do seio da sociedade. Foram votados (fraudulentamente ou não). Ninguém invade o palácio, mas recebe aval dos eleitores para ali estar.
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Tem razão. Mas é bom não esquecer que o instinto de levar vantagem é ancestral, próprio do ser humano desde que desceu da árvore. Milhares de anos atrás, brigava-se para ficar com o melhor pedaço de uma suculenta coxa de mamute. Crua.
O mamute foi-se, mas o instinto ficou e continua vivo em todos os homens (e mulheres, naturalmente). Se alguns povos se retêm ou são mais comedidos, é por condicionamento. Trocado em miúdos: vergonha diante do olhar reprovador da sociedade ou puro medo da denúncia e da inevitável sanção.
Importe um escandinavo e deixe-o à vontade na América Latina ou na África. Volte alguns anos depois, quando ele estiver “descondicionado”, e confira o resultado. Ele terá se tornado igualzinho aos locais.
A certeza da impunidade é mal de raiz.
Obrigado e volte sempre!
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Outro dia, durante o capítulo final de uma novela, o protagonista (vikão) diz a seguinte frase: “Escolha moral é para quem não tem fome”. A frase gira na minha cabeça desde então. Ainda não sei se ela é verdadeira ou uma desculpa eticamente reprovável.
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Não há de estar longe da verdade. É corolário do adágio que diz que povo de barriga cheia não faz revolução.
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