A eficácia da vacina

José Horta Manzano


Nosso capitão era até capaz de ficar desagradado com este artigo. Mas, que fazer? É o que eu tenho a dizer.


Dependendo do efeito que se busca, cada acontecimento será relatado desta ou daquela maneira – é da vida. Nestes tempos de “narrativas” e de meias-verdades, essa versatilidade na apresentação dos fatos está na crista da onda.

Tive acesso a um levantamento estatístico sobre as hospitalizações na Suíça nesta fase da pandemia de covid. Foram levadas em conta todas as internações ocorridas entre 11 de outubro e 12 de dezembro deste ano. As tabelas cobrem o país inteiro.

No primeiro quadro, que aparece logo abaixo, foram utilizados números absolutos. Cada linha representa o total de pessoas hospitalizadas em cada faixa etária. Na primeira coluna, em vermelho vivo, estão os cidadãos que, ao serem internados, já haviam cumprido o ciclo integral de vacinação. Na segunda coluna, em salmão, estão os não-vacinados.

Quadro 1
Hospitalizações – números absolutos

Esta primeira tabela há de alegrar qualquer negacionista da vacina. Constata-se que, principalmente nas faixas de idosos (70-79 anos e mais de 80 anos), há mais cidadãos não-vacinados do que vacinados. Ao ver o quadro, devotos e terraplanistas hão de dar pulinhos.

“– Tá vendo? Eu sempre disse que essa porcaria de vacina não serve pra nada! Óiaí, no hospital tem mais gente vacinada do que não-vacinada. E olhe que é na Suíça, país sério, onde a gente pode acreditar nesse tipo de levantamento.”

Se o capitão recebesse uma informação dessas, faria um retuíte, mais um compartilhamento, mais uma declaração na laive da semana.

No fundo, a informação não deixa de ser verdadeira. Os números são reais. Só que… notícias têm de ser relativizadas. Vamos então relativizar esses números absolutos.

Os serviços informativos da Televisão Suíça, de onde tirei os dados, já fizeram isso. Tomaram os números absolutos de internações e compararam com o contingente de cidadãos já totalmente vacinados. Isso feito, chegaram a um segundo quadro. A tabela que está abaixo mostra as hospitalizações por 100 mil vacinados / não-vacinados.

Quadro 2
Hospitalizações por 100 mil vacinados / não-vacinados

A diferença entre as duas tabelas surpreende. Mas há explicação. Dado que a imensa maioria dos idosos estão vacinados, constata-se que, na faixa dos maiores de 80 anos, o número de hospitalizados não-vacinados (por 100 mil não-vacinados) é 10 vezes superior ao de vacinados (por 100 mil vacinados). Em outros termos, para cada velhinho vacinado, há 10 não-vacinados.

Entre os 60-69 anos hospitalizados, há 14 não-vacinados para cada cidadão vacinado. Mais dramático ainda é o que se vê na faixa dos 40 a 49 anos: para 1 vacinado hospitalizado, há 16 não-vacinados hospitalizados.

São provas capazes de silenciar o mais renitente dos antivax. A não ser que ele seja presidente do Brasil. Aí, já é perda de tempo.


You can lead a horse to water, but you can’t make it drink
Pode-se levar o cavalo até a água, mas não se pode forçá-lo a beber


2 pensamentos sobre “A eficácia da vacina

  1. Maravilhoso! Se tivesse acesso ao segundo quadro, o capitão sairia dizendo que os serviços informativos da televisão suíça são comandados por um bando de comunistas e ainda voltaria a falar da imunidade de rebanho. Acabo de ler um comentário no UOL em que a pessoa informa que em um estudo da revista Lancet, padrão ouro, provou-se que dados sobre imunidade de rebanho foram transferidos para inchar artificialmente as taxas de eficácia da vacina. Só Deus na causa!

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    • A versão francesa do provérbio é mais contundente, por isso evitei.

      “On ne saurait faire boire un âne qui n’a pas soif”
      Não se consegue obrigar a beber um burro que não está com sede.

      Talvez coubesse até melhor.

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