
Excursão à Europa
Depois de deixar a embaixada pela porta dos fundos, Bolsonaro dá seu passeio turístico pelas ruas de Roma, sempre rodeado por pequena multidão de apoiadores descontraídos e sorridentes.
30 out° 2021
José Horta Manzano
Faz quase 3 anos que nos acostumamos a ter na Presidência um sujeito de poucas qualidades e muitos defeitos. Fanfarrão, boca-suja, despreparado, desfocado, misantropo, debochado, ignorante, covarde, egoísta, mentiroso – são seus desarranjos mais amenos. Os mais pesados teriam de ser descritos com palavrões impublicáveis.
É impressionante como a gente acaba se habituando a uma realidade trágica. E isso tinha de acontecer logo no Brasil, país tão carente de um personagem esclarecido, bem-intencionado e de mão firme para dirigir a República. E tinha de acontecer justo durante o maior desastre sanitário desde a Gripe Espanhola, de 1918.
Que remédio? É nossa sina. Desde que o velho FHC desceu a rampa, já lá se vão 20 anos, nossos presidentes têm sido assim: uns mais empacados, outros menos, mas todos desligados do Brasil real, distantes das necessidades verdadeiras da população. Tem sido um desfile de indivíduos indignos de ocupar a Presidência de um país cuja Constituição concentra tamanho poder nas mãos de um indivíduo só.
A gente sempre espera que o próximo será melhor. “Desta vez, vai!” – é a torcida de todos. No entanto, ai de nós todos, tirando a devoção cega que uma minoria de eleitores possa ter por este ou aquele, há que constatar: é um pior que o outro.
Só que, desta vez, com Bolsonaro, atingimos o ápice, o cúmulo, o topo, o nec plus ultra – impossível ir mais longe. (Pelo menos, é o que se espera; há gente pior, mas vamos torcer para que nunca sejam eleitos para a Presidência.)
Há quem acredite que a CPI da Covid não serviu pra nada. Não é minha opinião. Ela serviu para reafirmar – de papel passado e com firma reconhecida –, o que todo o mundo já sabia sobre o governo do capitão. Pra reforçar, ainda apareceram mais podres, como o Ministério da Saúde envolvido em negociata com vacinas, um episódio de corrupção explícita do governo Bolsonaro. A corrupção à la Bolsonaro, que antes era apenas suposição, tornou-se realidade fáctica.
A notícia atravessou as fronteiras. O mundo inteiro agora conhece a verdadeira face da sinistra farsa que se desenrola nos palácios de Brasília. De passeio em Roma para ouvir o discurso dos grandes dirigentes mundiais na reunião do G20, o popular capitão teve de deixar a embaixada do Brasil pela porta dos fundos. Na entrada principal, estavam jornalistas e manifestantes contrários à sua presença. Nem Dilma, nos piores momentos de seu desastrado governo, teve de passar por esse tipo de vexame. O homem só sai à rua cercado por uma vintena de seguranças tipo dois por dois.
Aos olhos do mundo, o Brasil, como nação, continua firme e forte. O mundo compreende que, ao eleger Bolsonaro, os brasileiros deram um pulo no escuro. Se o eleitorado soubesse, na época, o que se sabe hoje, o capitão jamais teria sido eleito. Este blogueiro, que acompanha diariamente o que se diz no exterior sobre o Brasil, tem se dado conta de que a imagem do presidente se descola cada dia mais do povo brasileiro. A opinião pública mundial aprendeu a fazer a diferença entre o desvairado dirigente e o povo, que é obrigado a suportá-lo. Guardando as devidas proporções, a situação é comparável ao que ocorre atualmente no Afeganistão: o povo é visto como vítima dos talibãs, não como cúmplice.
Há potentados pouco recomendáveis no mundo. Eu não poria a mão no fogo por gente como Putin (Rússia), Lukachenko (Bielo-Rússia), Kim Jung-il (Coreia do Norte), os bondosos irmãos Castro (Cuba), Maduro (Venezuela), Erdoğan (Turquia) & outros. Mas, no fundo, o que é que o mundo sabe deles? Pouco, muito pouco. Quase nada.
No caso de Bolsonaro, depois do relatório final da CPI, é diferente. Afinal, o inquérito não foi instruído por revolucionários juvenis, mas por senadores da República, eleitos pelo povo. Durante meses, as manchetes da imprensa mundial fizeram eco aos depoimentos e às acusações da CPI. Ninguém mais pode dizer que não sabia. Agora, terminados os trabalhos, o Brasil não será mais o mesmo. Todos nós sabemos. E o mundo também.
Se considerarmos que nenhum governante consegue agir e/ou governar sem o aval e apoio de um parlamento recheado de mulheres e de homens corruptos, que só aceitam dar esse apoio se em troca receberem altas somas em dinheiro, não teremos nenhum governo honesto. FHC se corrompeu (ou sempre foi corrompido); o PT, nem precisamos dizer alguma coisa; Bolso, pelo que sabemos, sempre foi esse asco, que descobrimos tardiamente. Como diz o historiador Leandro Karnal, “A corrupção é um mal social. Onde há um povo corrupto, a possibilidade de governos corruptos é imensa.”
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A citação é pra lá de verdadeira, prezado Toni. Todo governo espelha necessariamente as qualidades (e os defeitos) do povo que o escolheu. Mais entranhado for o espírito de individualismo e de desonestidade na alma nacional, maior será o risco de os eleitos terem as mesmas características. O Brasil é vibrante exemplo dessa realidade.
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Aguardo vc se manifestar sobre o rachadão do Alcolumbre.
Será que a resistência em convocar sessão na CCJ para apreciar o nome do jurista indicado a uma vaga no STF visava intervim apoio para passarem por cima do episódio do rachadão do Alcolumbre?
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Pra ser sincero, não acompanhei com lupa esse episódio do rachadão do Alcolumbre, prezado Ricardo. Acredito que esse senador deve ter-se comportado como praticamente todos os demais. “Se todos fazem, por que não eu?” — parece ser a divisa de Suas Excelências. Legislam todos em benefício próprio, no estilo “meu pirão primeiro”.
Não é por nada que, nos tempos de antigamente, se ouvia um ditado que dizia:”Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é bobo ou não tem arte”. Não sei se ainda se ouve essa frase. Seja como for, ela continua atualíssima.
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Está na VEJA desta semana. Caso escandaloso, mas não é inédito.
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