A tendência que os falantes têm de encurtar caminho e descobrir atalhos na língua assume diferentes roupagens. Por exemplo, numerosos verbos que costumavam ser pronominais estão deixando de sê-lo.
Mais e mais frequentemente, se ouvem frases como:
“Ele não acostuma com essa vida de casado” (em vez de ele não se acostuma)
ou
“Eu não importo de ficar esperando aqui” (em vez de eu não me importo).
A atual pandemia ergueu ao palco um verbo antes menos comum: vacinar. Temos de constatar que ele também está entrando na categoria dos que vão deixando de ser pronominais.
O recorte reproduzido no início do post está aí pra provar. Diz ele que “vacinar é motivo de vergonha”. Em outros tempos, a manchete seria “tomar vacina é motivo de vergonha” ou também “vacinar-se é motivo de vergonha”. O mundo evolui, e a língua vai junto.
Mas atenção, juventude! Quem estiver mandando bilhete para a namorada pode escrever do jeito que quiser. Já quem estiver em situação mais formal é bom tomar cuidado.
Namorada dá desconto; erro em prova tira ponto!
Vacinar = dar vacina, aplicar vacina.
Vacinar-se = receber vacina, ser vacinado.
Na dúvida, diga: “tomar vacina”. É mais simples, resolve o problema, não tira pontos e, ainda por cima, protege contra a doença.
Em Minas Gerais, “comer” o pronome reflexivo já é norma há muito tempo. Lá é comum dizer coisas como “Eu apaixonei assim que olhei pra ela”.
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Eu diria que essa ‘começão de pronome’ não tira a clareza nem a expressividade da frase. Se ainda houver humanidade daqui a um século, é possível que estejam todos falando e escrevendo assim.
Observo que, apesar da fama de rigor, o francês segue a mesma tendência. Por aqui, certos verbos já dispensam o pronome para assumir caráter reflexivo:
“elle va divorcer” – ela vai (se) divorciar,
“il a déprimé” – ele (se) deprimiu,
“j’hallucine” – eu (me) alucino.
Como você vê, não estamos sozinhos.
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Outro problema sério é a não-combinação do pronome reflexivo com o sujeito, tipo ‘nós vamos se vacinar’. Um caso muito engraçado ocorreu na seleção de trainees de gerência. A primeira pergunta feita a um candidato foi: “Quando é que você se forma?”. Ele respondeu de pronto:
“Eu SE formo no fim do semestre”. Foi obviamente rejeitado na seleção, após uma entrevista de menos de 2 minutos. O dito cujo saiu enfurecido, ameaçando processar a empresa.
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O mundo mudou realmente. No meu tempo, o candidato teria saído morto de vergonha. Hoje, sai furioso, não contra si mesmo, mas contra a empresa. O tempora, o mores!
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