José Horta Manzano
Você sabia?
Você sabe onde fica Iqaluit? Eu também não sabia até alguns dias atrás. Um pouquinho de paciência: você também vai ficar sabendo já já.
Era uma hora da tarde no aeroporto de Zurique. Naquele 1° de fevereiro, instalados dentro de um moderno Boeing 777 da companhia aérea Swiss, os 300 passageiros embarcados no voo LX-40 já sonhavam com as palmeiras de Los Angeles. Iam deixar pra trás as neves alpinas e, ao cabo de 11 horas de voo, gozar as delícias do inverno ameno da Califórnia.
O avião levantou voo com meia hora de atraso. Em viagens longas, isso não costuma ser problema: em geral, a demora é compensada e acaba-se pousando na hora certa. Se não for um pouco antes.
A bordo, tudo corria bem. Depois do almoço, já pela metade da viagem, passageiros cochilavam. Eis senão quando… os alto-falantes trazem a voz grave do piloto. «Senhoras e Senhores, em virtude de um problema numa das turbinas, faremos uma escala técnica em Iqaluit. Não se preocupem, o pouso não representa risco. Repartiremos assim que o problema for resolvido.»
Para não alarmar os passageiros, o piloto preferiu omitir detalhes inquietantes. Na realidade, uma das turbinas (são duas) tinha parado de funcionar. E olhe que o avião era novinho, com apenas oito meses de uso. Fosse um eletrodoméstico, o proprietário ainda teria direito a devolução.
O protocolo internacional é rigoroso: quando um dos motores pára, não é permitido seguir viagem. O piloto tem de pousar no aeroporto mais próximo. Acontece que estavam sobrevoando o Oceano Ártico, a uma latitude de 70 graus, não longe do Polo Norte. O primeiro aeroporto, pouco mais que um campo de pouso, era o Aeródromo de Iqaluit, perdido na tundra do norte canadense. O vilarejo é habitado por sete mil esquimós.
Sem outra opção, o jato pousou. Em redor, tudo branco de neve. O termômetro marcando 25 graus abaixo de zero. E agora, que fazer? Era impossível consertar a turbina ‒ o vilarejo não dispunha de peças nem de pessoal habilitado. Mais difícil seria ainda alojar os 300 viajantes por absoluta falta de hotel. Sobrou uma única opção: mandar vir novo avião para resgatar os passageiros. Nova turbina tinha também de ser encomendada para substituir a que tinha parado de funcionar.
Um aparelho veio de Nova York para levar as pessoas. Só chegou depois de 11 horas de espera. Enquanto isso, tripulação e passageiros continuaram sentados. Pelo menos, o aquecimento funcionava. Assim que chegou o avião de resgate, foram transferidos e puderam levantar voo e seguir viagem.
Quanto à turbina, foi mais complicado. Tinha de ser trocada, senão o avião não ia poder sair de lá. Como levar uma peça de 8,3 toneladas até a tundra canadense? Foi preciso contratar um gigantesco avião de transporte Antonov semelhante àquele que visitou Viracopos algumas semanas atrás. Ele veio com turbina e técnicos. Faltava resolver o último problema. A retirada do motor enguiçado e a instalação do novo leva horas e horas, trabalho delicado e difícil de executar quando a temperatura do ar teima em permanecer entre –20° e –30°. O jeito foi construir uma espécie de tenda gigantesca, aquecida por dentro, para abrigar o pessoal técnico.
Depois de oito dias angustiosos, a turbina nova foi instalada e a antiga foi carregada no Antonov. O Boeing vazio voltou a Zurique. Depois de uma revisão e uma boa limpeza, já está quase pronto pra voar de novo. Quanto ao Antonov, levou a turbina defeituosa ao fabricante.
Swiss recusa-se a informar o custo total da desaventura. Especialistas estimam que a brincadeira não tenha saído por menos de um milhão. De dólares, francos ou euros ‒ é praticamente a mesma coisa.
Aceita um sorvete geladinho? Não sei se têm da marca Eskimó.




Na minha ignorância sobre voos, fiquei muito admirado com a grande volta para o norte que o avião dá no percurso Suíça-Califórnia… Por que será que ele vai tanto para o norte??? (Se bem que se o problema tivesse aparecido no meio do Atlântico, o resultado poderia ter sido trágico…)
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João,
A gente está acostumado com mapas de duas dimensões, desenhados numa folha de papel. Mas o globo tem três dimensões. Logo, o que se vê desenhado é uma tentativa de representar a esfera deixando de lado uma das dimensões.
Há dezenas de métodos para isso. Nenhum deles, evidentemente, transfere para o papel a veracidade do globo. Há os que conservam a superfície das terras emersas distorcendo as formas. Ficam irreconhecíveis. Há outros que mantêm os ângulos distorcendo as dimensões. Estamos mais acostumados com estes últimos.
A projeção mais utilizada é a de Mercator, criada pelo cartógrafo de mesmo nome, um flamengo que viveu no século XVI. O planisfério que vemos pendurado na parede da escola segue, com toda certeza, o sistema Mercator. Ele apresenta a particularidade de conservar fielmente os ângulos, mas tem o grande defeito de distorcer as distâncias. Quanto mais afastado um território estiver do Equador, maior será sua superfície aparente. A África, por exemplo, costuma aparecer do tamanho da Groenlândia, quando, na realidade, tem área 14 vezes superior.
Evidentemente, quando se observa um mapa plano, a distância mais curta entre dois pontos parece ser a linha reta. Isso pode ser verdade nas regiões próximas do Equador. À medida que nos aproximamos dos polos, a coisa vai mudando.
Faça a prova você mesmo. Tome um globo e um pedaço de barbante. Agora meça a distância entre dois pontos situados em lados opostos do planeta. Se estiverem ambos próximos à linha do Equador (Brasil – Indonésia, por exemplo), o caminho mais curto é o que segue o Equador. Já se um dos dois pontos estiver mais próximo de um dos polos, a rota polar será provavelmente mais curta. Um voo Dubai – S. Francisco, por exemplo, passa pelo Polo Norte. Um Auckland (Nova Zelândia) – Santiago (Chile) passa rente à Antártida. Um Pequim – Los Angeles passa pelo norte do Alaska.
Forte abraço.
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Obrigado pela resposta, amigo! Eu sabia das projeções de Mercator e das distorções por se tentar retratar no plano um planeta redondo… só não imaginava que a “volta” fosse tão grande. Muito, muito obrigado pela explicação. Como sempre, detalhada e aprofundada!
Abraço!
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