José Horta Manzano
A gente imaginava que Big Brother – o Grande Irmão Controlador – fosse chegar de repente, na sequência de uma revolução. Os tempos atuais mostram que não é bem assim. Mudanças não caem do céu da noite pro dia. As novas modas vêm sorrateiras, de mansinho, e vão-se insinuando sem que ninguém se dê conta. Quando se abre o olho, o mundo já mudou. Sem avisar.
Houve tempo em que a gente podia falar como quisesse, usar as palavras e expressões que bem entendesse, com uma única exceção: palavrão. Nome feio não podia ser pronunciado na presença de gente de respeito. Fora isso, cada um podia falar como lhe agradasse.
Hoje já não é mais assim, como bem sabem meus distintos leitores. Certas palavras e certas expressões entraram para o índex, tornaram-se tabuísmo. A lista engrossa cada dia mais. E ai de quem tropeçar! Não se arrisca a levar um pito – periga ser processado ou, pior ainda, pode acabar preso.
Remexendo na memória, encontrei meia dúzia de músicas que, embora tenham feito grande sucesso em seu tempo, não poderiam mais ser lançadas hoje. Seus autores teriam sérios problemas.
Boneca de pano (1950)
de Assis Valente (1907-1958)
Gravada por: Quatro ases e um coringa
Gravada por: Demônios da garoa
Trecho politicamente incorreto:
Um dia alguém a chamou de boneca
E ela, sendo mulher, acreditou
O teu cabelo não nega (1931)
de Lamartine Babo (1904-1963) e Irmãos Raul e João Valença
Gravada por: Castro Barbosa
Trecho politicamente incorreto:
O teu cabelo não nega, mulata,
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata,
Mulata, eu quero teu amor
Nega do cabelo duro (1941)
de David Nasser & Rubens Soares
Gravada por: Anjos do Inferno
Trecho politicamente incorreto:
Nega do cabelo duro
Qual é o pente que te penteia
(…)
‘Mise-en-plis’ a ferro e fogo
Não desmancha nem na areia
Mulher que é mulher (1953)
de Klécius Caldas & Armando Cavalcanti
Gravada por: Dircinha Batista
Trecho politicamente incorreto:
A mulher que é mulher
Não deixa o lar à toa
A mulher que é mulher
Se o homem errar, perdoa.
Cabeleira do Zezé (1964)
de João Roberto Kelly & Roberto Faissal
Gravada por: Jorge Goulart (1926-2012)
Trecho politicamente incorreto:
Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é? Será que ele é?
(…)
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Nega maluca (1950)
de Evaldo Rui & Fernando Lobo
Gravada por: Linda Batista (1919-1988)
Trecho politicamente incorreto:
Tava jogando sinuca
Uma nega maluca me apareceu
Vinha com um filho no colo
E dizia pro povo
que o filho era meu
(…)
Até parece castigo
Ou então é influência da cor






Adorei seu texto e seleção de músicas! Realmente, as mudanças são sorrateiras!
Veja a que ponto chegamos, por exemplo, dentre as frases que resumem da semana, da Revista Época:
“Foi por causa dessa onda do politicamente correto”
Gilberto Ponce Dias, dono da Pão da Praia, padaria de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que mudou o nome do doce “nega maluca” para “bolo afro descendente”
Pode até ser jogada de marketing do doceiro, mas, eu não duvido de que já tenha levado um pito, pelo menos. Grande abraço.
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Michèle,
A onda do politicamente correto está se alastrando pelo mundo todo. Até na França, já dá pra sentir os efeitos.
Você deve conhecer aquele doce que a gente, no Brasil, chama dan top. Quem não conhecer pode clicar no link abaixo:
http://www.ciauniao.com.br/receitas/mini-dan-top/268
Pois esse doce, na França, se chamava «tête de nègre» – cabeça de preto. Agora chama-se «tête de choco» – cabeça de choco(late).
Abração
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Por aqui era comum o bom-bom (ou “confeito”, ou “uma bala”) com nome de Nego-Bom (com som fechado na vogal “e”, destacado antigamente com o circunflexo). Parece que não o mudaram ainda através de reprovação popular. Também não sei qual efeito teria hoje a hipótese de alguma estação tocar aquela da “Paraíba masculina, mulher macho, sinsinhô”. Mas, em matéria de música no Brasil, caso queiram criar uma ONG somente para essas coisas (gordamente mantida com dinheiro público, claro!), vão ter que correr muito atrás desses compositores dos pancadões, ou seja, vão ter que correr atrás de bonde.
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…” um homem de moral, não fica no chão e NEM QUER QUE MULHER LHE VENHA DAR A MÃO; reconhece a queda e não desanima; levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!”
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