O coqueiro e a ladeira

José Horta Manzano

A distinta e fiel leitora Michèle fez um comentário muito pertinente no post Falam de nós – 1, publicado em 3 nov°. Achei que a resposta podia interessar outros leitores, eis por que ela está aqui a seguir.

Interligne vertical 16 3KbCompreendo seu desconcerto, Michèle, que é o de tanta gente. Também eu me sinto desarmado. Mas deixe estar, que tudo o que sobe acaba descendo um dia. E, como todos sabem, mais alto é o coqueiro, maior é o tombo.

Coqueiro 1Há duas maneiras de afastar esse cálice amargo de nossa boca e de arredar do andar de cima essa gente que nunca deveria ter lá entrado. Uma das soluções é mais demorada; a outra, bem mais rápida.

O caminho demorado é dar instrução ao povo. É radical, só que, pra chegar lá, precisa primeiro investir e, em seguida, esperar uns vinte anos. Nossa elite governante não tem tempo nem vontade de se dedicar a civilizar os mais carentes. Portanto, essa ruela é sem saída.

Sobra a solução rápida. E ela já está a caminho. Se estivéssemos no século XIX, diríamos que ela «vem a cavalo». Nos anos cinquenta, a expressão era «vem vindo a jacto». Sabe o que é, Michèle? Pois é a economia.

A dor mais doída que se pode impor a um povo é a dor de bolso. Você, que é muito jovem, não conheceu os tempos da hiperinflação. Era um terror. Os preços dobravam a cada mês. Ninguém mais tinha ideia do valor de objeto nenhum. Se lhe cobrassem 10, 15, 20 ou 25 por um produto qualquer, dava no mesmo. A gente sequer sabia qual seria o salário no fim do mês – os reajustes eram mensais. Não dava pra fazer conta, nem previsão. Loucura maior seria comprar a prestação. Era desespero total.

Se o Collor foi despachado de volta pras Alagoas, 20 anos atrás, foi em grande parte por causa do vendaval econômico que varria o País. Somente a estabilidade permitiu que um FHC e um Luiz Inácio governassem com relativa tranquilidade. Para os mais jovens, parece que é ponto pacífico, que sempre foi assim. Não foi, acredite. O Plano Real foi uma conquista histórica e trouxe um bem-estar com que nós, os mais antigos, nem sonhávamos. Esse foi, sim, o grande salto em direção ao Primeiro Mundo.

Crédito: Baixaki

Crédito: Baixaki

Hoje, pelo andar da carruagem, estamos descendo a ladeira, veja só. A inflação de volta, preços subindo, indústrias fechando. A China – nosso principal mercado(!) – andando em marcha reduzida. A Argentina às portas da falência e a Venezuela em perdição. No governo, a roubalheira corroendo o que resta. A dívida pública engordando. A marca Brasil perdendo prestígio e caindo em descrédito perante o resto do mundo. Todos os indicadores estão no vermelho e apontam para baixo.

Não vai demorar muito. O fruto vai cair de podre. Como? Não sei, que não tenho bola de cristal. Aliás, acho que ninguém sabe direito como vai ser. Mas a coisa não pode – e não vai – continuar assim mais muito tempo. A má gestão, quando ataca a economia, afeta a todos, ricos, pobres e remediados.

Abraço a você. E obrigado pela fidelidade.

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Já ensinava o velho Lucius Annæus Seneca, filósofo e estadista romano, em suas Epístolas Morais a Lucílio:

«Multos fortuna liberat pœna, metu neminem»
«A sorte livra muitos do castigo, mas não do medo»

Um pensamento sobre “O coqueiro e a ladeira

  1. Aos nove anos, eu, uma moleca, “fiz campanha” para o Collor. A campanha consistia em ficar encima do muro de casa, balançando bandeirinhas e bradando seu nome. E anos após, também, pedi seu impeachment. Totalmente cara pintada, alienada, encantada, criança.

    Tenho viva as lembranças do que era inflação. Das mercadorias que sumiam do dia para a noite. E apareciam com os preços remarcados. Lembro-me bem que nem todos tinham condições de ir à um salão de beleza, de andar com roupas novas, ter telefone em casa era um luxo!

    Mas, eu, em escola pública, tive uma educação de primeira. Ótimos professores, engajados, compromissados conosco. Naquela época, o conceito de família, a educação, o respeito às pessoas eram bem alicerçados. Era aquela frase: a minha liberdade termina quando começa a sua.

    Não me recordo de festas, bailes funk, no meu da rua, com pessoas urinando na porta dos vizinhos. Muito menos de cidadãos desacatando policiais. Havia uma ordem. Saudável pois, não se tratava de proibição, mas, de um consenso para a boa convivência em sociedade. Um crime era na verdade um “acontecimento”.

    Talvez ainda não fosse o Brasil ideal, mas, caminhava para. Estávamos subindo a ladeira. Claramente era um país aonde as pessoas passavam fome, mas, não aceitavam doação, não aceitavam esmola. Era uma questão de honra. Não estou dizendo que isso é certo ou errado, o fato é que as pessoas não se vendiam. Tinham orgulho de trabalhar, de poder comprar suas próprias coisas, de conquistar. E a ordem das coisas, passava por estudar, depois ter um estrutura financeira, depois casar e bem depois ter filhos. Não penso que isso é regra, mas, hoje, a exceção é o que vale como regra. A criatura tem três filhos, cada um de um pai, não tem sequer aonde morar, e aceita todo quanto é tipo de ajuda social, sem um pingo de vergonha de se tornar um fardo para a sociedade. Não é “constituir família”, mas, “prostituir família”.

    Outro dia assisti a um documentário que dizia que a década de 80 foi a década do consumismo. Sei não, não é agora a década do consumismo? Então, porque, mesmo portadora de todos os tipos de miséria , passando fome, a criatura está de roupinha nova, celular atual, cabelo escovado.

    E fato, o povo brasileiro, aproveitando sua metáfora, vive novamente a ladeira, enquanto esse câncer suga tudo o que foi conquistado e possível de se ter com o plano real. Mas, sem conseguir manter.

    No final das contas, quando eu cogitei “quebrar tudo pra mexer no bolso de quem tem”, entramos no mesmo entendimento. Mas, você viu com maior clareza: Não precisamos quebrar nada do que vai quebrar por si mesmo. Tanto faz ser no bolso de quem tem ou não, quando a crise econômica apertar, vai abrir os olhos de todos, é só ficar observando quem será o próximo na ladeira.

    A crise/quebra de 1929, nos dá uma boa amostra. Claro, eram outros tempos. Mas, vale a reflexão: Naquela época, os EUA não tinham a máquina administrativa inflada em tantos Ministérios, não tinham um câncer hediondo corrupto e corruptor instalado em sua administração e nem esses programas de “transferência de dinheiro” aos “menos abastados”. Foi só mesmo, assim simplificando, a distribuição de crédito ao povo, confiando na estabilidade da economia.

    Agradeço pela atenção.
    Um grande abraço e saiba que é com grande satisfação que acompanho seu distinto blog.

    Michele

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