José Horta Manzano
O alvorecer do século XX conheceu espetacular movimento estético. Todo feito de curvas lânguidas e voluptuosas, o Art Nouveau tomou conta do ambiente artístico. Pintura, arquitetura, grafismo sucumbiram ao charme da nova tendência.
A quase ausência de ângulos concedia liberdade ilimitada à criação e trazia um não sei quê de fim de época, como se se estivessem queimando os últimos cartuchos antes do fim da festa. De fato, a festa acabou. A carnificina da Grande Guerra (1914-1918) deu conta de aniquilar todas as ilusões.
Nos anos 20 e 30, surgiu nova tendência artística. Era o Art Déco, a arte decorativa. As curvas sensuais foram banidas. Ângulos ríspidos e círculos bem organizados tomaram conta. O novo movimento ― ordenado, rigoroso, controlado, vigiado, canalizado ― combinava com os novos tempos.
O Art Déco cresceu ao mesmo tempo que regimes fascistas e nazistas, de forte tendência autoritária. A hecatombe da Segunda Guerra (1939-1945) se encarregou de enterrar tanto os regimes quanto, de quebra, o movimento artístico.
Já faz décadas, desde que a circulação de veículos automóveis se acentuou, que brotou a ideia de dar diretivas ao motorista por meio de inscrições no solo. A simbologia, feita de linhas e de inscrições, é conhecida por todos. Alterações do fluxo têm sido tradicionalmente indicadas por linhas curvas, tanto para alargamento, quanto para afunilamento. A linha curva tem efeito colateral não desprezível: incita à fluidez e à harmonia.
O que vou dizer agora pode parecer brincadeira, mas asseguro-lhes que é verdade. As autoridades que coordenam o tráfego da cidade de São Paulo acabam de substituir a curva por um zigue-zague. Parece um primeiro de abril atrasado.
Duas reflexões me ocorrem. A primeira diz respeito ao comportamento dos motoristas no tráfego do Brasil em geral e de São Paulo em particular. Linha angulosa combina com a rispidez e a selvageria que caracterizam os usuários. Comportamentos bicudos são atiçados pelas linhas angulosas. Está criado um círculo vicioso em que a agressividade se autoalimenta.
A segunda reflexão é sobre o momento que nosso País atravessa. Tentações autoritárias, vindas todas do andar de cima, mostram suas garras e ameaçam os cidadãos que somos. Regulação de internet, controle de mídia, censura à imprensa são farinha do mesmo saco. Tendem todas a incrementar a dominação dos que estão por cima.
Vamos torcer para que as linhas quebradas do solo paulistano não sejam prenúncio de quebras maiores. De liberdade, por exemplo.





Parabéns, meu amigo. Uma bela análise que junta com delicadeza e serenidade num só olhar crítico a política, a psicologia e a sociologia. O recrudescimento das posturas autoritárias, fascistas mesmo, no Brasil é um tema que também tem me ocupado nesses últimos dias. Pensei até em me dedicar a um novo exercício literário que terá (se eu persistir nesse objetivo) o título de “A involução da espécie humana” ou talvez “A Dessocialização Galopante”
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Belíssimo programa! Persista, que vale a pena.
Abraço.
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