Os palpites do presidente

José Horta Manzano

Presidente da República pode até ter opinião sobre tudo, mas não convém torná-la pública sistematicamente. Na escala social da nação, a posição do presidente não é a de cidadão comum. Assim como tem direitos que nós não temos (imunidade judicial, foro privilegiado, segurança pessoal, palácio pra morar, pensão e transportes grátis), tem um dever de reserva que não nos é imposto.

O distinto leitor e eu podemos, se assim o desejarmos, sair por aí dando nossa opinião e palpite sobre qualquer assunto. Se formos elegantes ou politicamente incorretos, tanto faz, desde que não ultrapassemos os limites da ofensa. O presidente não tem a mesma latitude que nós. Suas palavras têm peso maior e alcance mais amplo. Além do que, o bom senso ensina que o que é mais raro é mais precioso. Quanto menos se exprimir, com mais atenção será escutado.

Nosso caro doutor Bolsonaro, embora estique as asas, ainda não conseguiu alçar voo pra alcançar o trono presidencial. Continua se comportando como se ainda estivesse no baixo clero da Câmara. Diga-se, a seu desagravo, que ele não é o primeiro nessa situação. Todos se lembrarão do Lula, que passou oito anos na presidência se conduzindo como se no botequim da esquina estivesse.

Firme na linha do homem que ainda não vestiu a roupa do cargo, doutor Bolsonaro decidiu opinar sobre… placas de automóvel. Imaginem só, com todos os problemas que temos, o presidente perder tempo dando sua visão de estadista sobre aquela chapa de metal que todo carro leva (ou deveria levar).

Os menos jovens se lembrarão de doutor Itamar Franco, que presidiu esta República faz um quarto de século, nos anos de 1993 e 1994. Ele ficou na história por ter solicitado à Volkswagen que ressuscitasse o Fusquinha, modelo que havia saído de linha em 1986. É o tipo de assunto em que presidente que se preza não deveria meter o bedelho. Doutor Bolsonaro está repetindo a dose. O que é que tem placa de automóvel de tão importante pra entrar nas preocupações presidenciais?

Imagino que o fato de a nova placa se chamar «do Mercosul» e ser comum a meia dúzia de países da região incomode a visão estreita do Planalto. Devem estar achando que uma tal abertura nos faça mergulhar direto num perigoso terceiro-mundismo. Cada bobagem… Alguém precisa explicar àquele gente empacada que a introdução do novo modelo de placa é necessária porque as possibilidades de combinação do modelo antigo estão prestes a esgotar-se. Não é difícil entender, pois não?

Será que, se as novas placas copiassem modelo americano, seriam mais bem aceitas?

Diplomacia espezinhada

José Horta Manzano

Ignorantes e deslumbrados, os incapazes que assumiram o comando da nação há 12 anos precipitaram-se ao pote de mel, que era o que realmente lhes interessava. Ávidos mas ingênuos, não se deram conta de que o Brasil não é um planeta isolado. Sua visão estreita não lhes permitiu enxergar a importância da inserção de nosso País em circuitos adequados e proveitosos.

A prova desse desprezo pela diplomacia e pelas relações internacionais foi dada com a nomeação, para cargos de responsabilidade crucial, de gente que não é do ramo. No Ministério das Relações Exteriores, titulares entram e saem. Tão pouca importância é atribuída ao cargo, que pouca gente saberia dizer quem é o atual titular. Por detrás da figura do ministro oficial, porém, paira uma sombra sinistra.

Dilma e GarciaRefiro-me a um certo senhor Garcia, cujo nome ficará para sempre associado ao epíteto “top-top”, de triste memória. Sem formação diplomática, o homem é uma espécie de elétron livre no organograma do governo. Na teoria, não passa de assessor sem função definida – um «aspone», como qualificam línguas vulgares. Na prática, sua influência nefasta está entre as principais responsáveis pelo amadorismo e pela tacanhice de nossa política externa. O personagem está entre os fundadores do Foro de São Paulo – isto talvez explique aquilo.

Não bastassem os 12 anos de constrangimento que esse senhor já contribuiu para nos impingir, o vexame continua. Em entrevista concedida ao Estadão e publicada ontem, senhor Garcia se pronuncia como se ministro de Relações Exteriores fosse.

Foro Sao Paulo 1À pergunta sobre se nosso governo vai chamar o embaixador na Venezuela para consultas – código diplomático para exprimir forte desagrado –, o «assessor» é taxativo: «Isso não está em cogitação. O governo brasileiro já se manifestou contra atos extremados e não é o caso de dar mais extensão a esse episódio.»

Levando em conta que dona Dilma & companhia andam, neste momento, atazanados por problemas mais prementes, é de duvidar que se preocupem com assuntos menores, como política externa. Senhor Garcia periga continuar poluindo nossa imagem e emperrando nossas relações com o mundo civilizado.