José Horta Manzano
Fala-se muito da anestesia do povo brasileiro que, cada dia mais blasé, não se abala mais com os desatinos cometidos por seu desastrado governo. Os parâmetros estão-se perdendo. Os pés estão escapando do estribo.
Acabam todos com a impressão de que tudo é permitido. Só não pode chamar cego de cego, surdo de surdo, louco de louco, preto de preto. O resto pode.
O governo comete enormidades. Ninguém se choca. Todos se sentem liberados para fazer o que bem entenderem. Diante dessa situação, o governo se sente ainda mais livre para continuar a tomar suas decisões extravagantes. Assim, o círculo vicioso se fecha e se realimenta, num movimento infernal cada dia mais difícil de ser freado com meios suaves.
A vizinha Venezuela está mergulhada num torvelinho semelhante faz mais de 10 anos. Talvez por contar com instituições menos sólidas que as nossas, o encadeamento está lá mais adiantado. Os amigos do rei já dominam praticamente todo o processo decisório do país. Executivo, legislativo e judiciário, já subjugados pelo mandachuva maior, guardam fidelidade aos sucessores do falecido e respeitam seus caprichos.
A arrogância dos figurões do país vizinho está-se tornando insuportável. Estão convencidos de que, façam o que fizerem, ninguém os poderá atingir. O mais recente exemplo do descomprometimento deles com as regras básicas que regem o mundo civilizado chegou estes dias.
Sem se preocupar em solicitar a devida autorização, utilizaram um trecho da música Detalhes, do capixaba Roberto Carlos para ilustrar uma peça de propaganda política. O compositor, cioso de sua obra, não apreciou. Ficou de cobrar direitos autorais dos usurpadores, com juros e correção.
Señor Maduro ― um tanto verde em matéria de recato ― zombou do ocorrido. Aos olhos do bolivarianismo, propriedade intelectual é noção ultrapassada, coisa de burguês.
Roberto Carlos promete entrar com pedido de indenização. Deve apresentá-lo à Justiça venezuelana. E é aí que a porca torce o rabo. Visto que, naquele país, o poder judiciário virou capacho do executivo, a probabilidade de sucesso do compositor é mínima.
Assim como o uso do cachimbo faz a boca torta, o exercício do poder sem contestação afasta os governantes da realidade. Faz que passem a viver num mundo de fantasia.
Se a boca dos dirigentes brasileiros anda meio oblíqua, a de seus colegas bolivarianos já entortou de vez.