José Horta Manzano
A Europa é especialista em passeatas e manifestações de rua. Nesse quesito, a França sobressai: é campeã em todas as categorias. Por um sim, por um não, saem todos de casa, percorrem avenidas, reagrupam-se em praças simbólicas. Algum discurso pode até pintar. Em seguida, dispersam-se.
Pode acontecer – mas é raro – que alguma passeata degenere. Vândalos desocupados podem surgir de alguma ruela, rosto dissimulado atrás de cachecol e capuz. Pouco se lhes dá o motivo da manifestação – vêm praticar seu esporte preferido: arrebentar vitrines. Aparecem, o mais das vezes, em passeatas gigantescas. É compreensível: quanto mais gente houver, mais fácil será confundir-se com a multidão e escapar a toda sanção.
No dia seguinte, sai a estimativa do número de participantes. Cada lado faz suas continhas. Manifestantes, compreende-se, costumam inflacionar números. Todos esperam pela estimativa da autoridade policial, a mais confiável, que tende a se aproximar da verdade.
No Brasil, manifestações de rua são menos frequentes. Em compensação, quando acontecem, chamam a atenção pelo elevado número de participantes. Observadores consideram a de domingo passado, 15 março, a maior exteriorização de protesto já registrada em nossa história.
Como no resto do mundo, a estimativa de participação tem duas versões. Na verdade, dado que a manifestação não foi convocada por nenhum grupo organizado – sindicato, central operária, corporação profissional, partido poítico – um só número deveria ser publicado: o das autoridades policiais. Em princípio, nenhum outro se lhe poderia contrapor.
No entanto… o Brasil não é país como os demais. Enquanto, na Europa, a estimativa da polícia é contestada pelos organizadores da passeata, no Brasil ocorreu fato assaz curioso. Um instituto de pesquisa de opinião, contratado sabe-se lá por quem, houve por bem dividir por cinco a estimativa policial.
Em números claros, a PM de São Paulo calculou que um milhão de manifestantes lotaram a Avenida Paulista e ruas adjacentes. O Instituto Datafolha, por seu lado, tem outra versão. Assegura que não mais que 200 mil pessoas lá estiveram. A brutal diferença é de deixar cismado.
Dei uma espiada no site do instituto. Ele se apresenta como “instituto de pesquisa de opinião”. Na Europa, não me lembro de jamais ter visto instituto de pesquisa de opinião contar participantes de passeata. Colher opiniões, sim, que é seu ganha-pão. Calcular quantidade de gente, não – não faz parte do ADN (DNA) desse tipo de instituição.
A bizarria do acontecido, principalmente o fosso entre os números da polícia e os do instituto, deixa no ar incômoda suspeita de pau-mandado.
PS 1:
De uns tempos a esta parte, tenho notado que o site da Folha de São Paulo suaviza notícias susceptíveis de ferir sensibilidades no andar de cima. Ao mesmo tempo, enfatiza as que possam afagar o Planalto. No capítulo “nós x eles“, veja a chamada publicada na manhã deste 17 mar 2015. Em matéria de tendenciosidade, é um primor:
PS 2:
Ao dar-se conta da repercussão fortemente negativa de sua “estimativa científica”, o jornal Folha de SP publica hoje longa matéria abarrotada de números. Porcentagens pra cá, quocientes pra lá. Cheira a cortina de fumaça para amenizar o estrago que a imagem do instituto sofreu.

