Hôtel de Ville

José Horta Manzano

Você sabia?

Uma distinta e cara leitora me pergunta a razão pela qual os franceses dão o nome de «Hôtel de Ville» à sede do Executivo municipal. Resolvi responder-lhe num post, assim, todos aproveitam. A explicação é interessante.

Com a popularização gerada pelo turismo, de cem anos para cá, o termo francês «hôtel» ganhou mundo com o sentido de lugar que dá cama e comida a gente de passagem. Substituiu palavras tradicionais como paragem, albergaria, pousada, estalagem, locanda, hostal.

A língua que mais resiste ao termo é o italiano. Na península, a antiga forma «albergo» continua firme e forte. Na fachada, escrevem “hotel”, que é palavra internacional. Na hora de falar, no entanto, todos se referem a «albergo». E ninguém abre mão.

Hotel des FinancesHá uma curiosidade, no entanto. Em francês, pasme!, a acepção primeira de «hôtel» é «demeure vaste et somptueuse» ― solar vasto e suntuoso. Usada nesse sentido, a palavra «hôtel» será mais bem traduzida em nossa língua por «palácio» ou, melhor ainda, pelo desueto e charmoso «palacete».

É justamente esse o sentido presente na expressão «Hôtel de Ville»: Palácio da Cidade. Que, aliás, anda de mãos dadas como nosso «Palácio da Justiça».

Os dois soberbos Palacetes Prates, em São Paulo (ambos já substituídos por insossas torres de vidro) Foto de Theodor Preising (1883-1962), fotógrafo alemão

Os dois soberbos Palacetes Prates, em São Paulo
(ambos já substituídos por insossas torres de vidro)
Foto de Theodor Preising (1883-1962), fotógrafo alemão

Ao edifício-sede do fisco também se costuma dar o nome de hotel. Temos, aqui em Genebra, o «Hôtel des Finances», correspondente genebrino da Receita Federal. Parece que, de vez em quando, algum desavisado turista estrangeiro se achega à recepção pra perguntar se tem quarto livre.

Memória histórica

José Horta Manzano

Reportagem da Folha de São Paulo nos revela que, após a demolição de um casarão dois dias atrás, restam quatro palacetes na avenida Paulista, em São Paulo.

Desses quatro, dois estão tombados pelo órgão que cuida do patrimônio histórico, o que faz que, em princípio, nenhuma alteração do exterior desses imóveis seja permitida.

Estranhamente, dos dois outros sobreviventes, um só está parcialmente resguardado e o último, livre e desimpedido, continua sob risco de desaparecer a qualquer momento para dar lugar a um estacionamento ou a um prédio.

Casa das Rosas, projeto Ramos de Azevedo Avenida Paulista, São Paulo

Casa das Rosas, projeto Ramos de Azevedo
Avenida Paulista, São Paulo

Pelo que o artigo explica, o órgão protetor do patrimônio histórico segue uma estranha lógica para chegar a suas decisões. Não considera a região, o bairro, nem mesmo a avenida como um todo. Singelamente, baseia-se na idade de cada imóvel: os que datam do começo do século XX terão de ser preservados, ao passo que os que datam dos anos 60 podem ser destruídos.

Raciocínio peculiar. Não lhes passa pela cabeça que, daqui a mais 50 anos, as construções dos anos 60 também serão centenárias? Não se dão conta de que podem vir a ser cobrados por seus bisnetos pelas tolices de agora?

Em terras mais civilizadas, quando se deseja alterar o aspecto exterior de um imóvel, nem que seja minimamente, uma autorização da prefeitura se faz necessária. Ainda que seja unicamente para mudar a cor da pintura da fachada ou para substituir uma veneziana de madeira por uma de alumínio.

Nesses casos, considera-se que o interesse coletivo prima sobre conveniências particulares. Da porta para dentro, o proprietário é livre de dispor de seu bem como lhe apraz ― ressalvadas as obras que possam afetar a estrutura do imóvel, casos em que uma autorização é necessária. Já da porta para fora, considera-se que a casa não está sozinha no mundo. Faz parte de um conjunto arquitetônico sujeto a regras comuns de urbanização.