Wake up, America!

José Horta Manzano

O processo e o julgamento a que Jair Bolsonaro teve direito não são fato corriqueiro. De fato, não é todo dia que se assistem às consequências judiciais de um golpe dado com a intenção de tomar (ou conservar) as rédeas do poder de um Estado. Golpes há, processos são mais raros.

O malogro contribui para a raridade do que ocorreu com Bolsonaro: só golpe malogrado dá processo. Golpe bem sucedido costuma dar execução sumária (dos adversários), exílio, “desaparecimento”, cadeia ou coisa pior. Tudo longe de qualquer processo. Se o golpe urdido por Bolsonaro tivesse dado certo, só quem vive fora do país estaria em condição de comentar ou criticar neste momento. No interior das fronteiras, o silêncio seria obrigatório.

Golpes costumam ser bem planejados, bem organizados, bem disciplinados e, como consequência, bem sucedidos. Bolsonaro quis dar o seu, mas não tinha gabarito para tal. Como diziam os metalúrgicos do ABC, comeu mortadela e tentou arrotar peru. Entupido na própria mentira, dançou.

No momento atual, ao redor do mundo, não há muitos, vamos dizer assim, “pré-golpes”, como o de Bolsonaro em andamento. Há o caso da Hungria, um golpe como aquele que o capitão sonhou. Só que a versão húngara está sendo conduzida com método, paciência e disciplina, qualidades que nunca fizeram parte do arsenal bolsonárico. A distorção da democracia húngara já passou do ponto de não retorno. A meu ver, pouco ou nada se pode fazer para evitar a consolidação de um regime iliberal ali.

Há, sim, um lugar do globo em que a queda e a condenação de Bolsonaro devem servir de sinal de alarme porque ainda dá tempo: são os Estados Unidos. Não sei se por respeito, susto ou medo, os eleitores que não votaram em Trump nem têm por ele nenhuma simpatia continuam encantados, hibernados, paralisados.

Faz 8 meses que o novo presidente assumiu, já retalhou discricionariamente instituições, entrou em conflito com magistrados, com personagens da sociedade e com o eleitorado não branco, já desferiu golpes pesados em empresas importadoras, já comprou briga com países amigos com impostos de importação proibitivos, já se indispôs com a Rússia, com a Índia, com o Brasil, com a Suíça, com a Dinamarca, com o México, com o Canadá, com a Venezuela, com a Ucrânia. Meteu-se pessoalmente a perseguir juízes de nossa Corte Maior e a exigir que julgamentos em andamento fossem anulados.

Diante de tudo isso, os eleitores que não votaram nele continuam entorpecidos, sem reação, sem palavras, sem um pio. Dá vontade de gritar: “Wake up, America!” – Acordem, Estados Unidos! Está passando da hora de se agitar, desenterrar o machado de guerra (olhe lá, metaforicamente!) e agir. Juntem bons advogados, que vocês devem ter, estudem a melhor maneira de enquadrar Trump, a melhor brecha na lei para alcançá-lo, e vão em frente!

Por prudência, comecem desde já a preparar a luta a travar quando ele sair do governo, por fim de mandato ou por renúncia. Se puderem impichá-lo antes, melhor ainda. Vocês não imaginam o que perderão caso permitam que seu sucessor seja um cafajeste da mesma espécie.

Corram, que ainda dá tempo!

Há pior

José Horta Manzano

Engana-se quem acha que as patacoadas imaginadas por doutor Bolsonaro são o cúmulo do atropelo ao bom senso. Há coisa pior. É verdade que nosso presidente se tem esforçado no campo da irracionalidade. Parece fazer de propósito. Diz hoje para, em seguida, desdizer-se amanhã. Irrefletido, engalfinha-se com a imprensa, esquecido do princípio básico que ensina que você não deve entrar em conflito com os órgãos dos quais pode precisar amanhã. Toma decisões de arrepiar o cabelo. Mas, como eu dizia, há pior.

O inimigo é Papa Francisco

Matteo Salvini, que compartilha com Luigi di Maio o posto de vice-primeiro-ministro da Itália, é o atual enfant terrible da política europeia. Desde a juventude, militou em movimentos nacionalistas que tinham como objetivo a independência do Norte da Itália. Ao ver que, numa Europa forte, não tinha chance nenhuma de atingir o objetivo, deu um passo atrás e decidiu agir na raiz. Se uma Europa forte impede o sonho de independência, o remédio é enfraquecer a Europa.

Dottor Salvini pôs de molho, por enquanto, o discurso separatista. Desde que chegou às altas esferas da política italiana, tem-se dedicado a solapar descaradamente a União Europeia. Faz amizade com qualquer político europeu, desde que isso lhe pareça contribuir para o desmonte do continente. A francesa Le Pen, o húngaro Orbán, o suíço Blocher, o inglês Farage, o holandês Wilders ‒ todos o que puderem ajudar no desmantelamento da União são bem-vindos.

Matteo Salvini: “O meu papa é Bento”

Do extremista americano Steve Bannon, ouviu recentemente um conselho: «Papa Francisco é o inimigo a atacar». Surpreendente de ousadia, não é? O americano, que é justamente aquele cujas posições extremadas já assustaram o próprio Trump, se referia à visão humanitária que o papa tem em matéria de migração.

Sem esperar o conselho do americano, Matteo Salvini já tinha decidido emprestar seu prestígio para demolir a imagem de Francisco. Deixou-se fotografar ostentando orgulhosamente uma camiseta com os dizeres «O meu papa é Bento», uma afronta à Igreja Católica Romana. Cai mal o vice-primeiro-ministro de um país civilizado intrometer-se numa instituição religiosa. Cai pior ainda quando se considera que o povo italiano tem forte ligação com essa Igreja.

Quem se arrepia com os escândalos do clã Bolsonaro deve ter em mente que podia ser pior. Mas estamos no bom caminho pra piorar.