O Mercosul e o fim da missa

José Horta Manzano

Nos tempos em que a missa era dita em latim e os ritos da Igreja ainda guardavam aquela aura de mistério que infundia respeito e temor, a gente não entendia as palavras. Mas isso não incomodava ninguém. Todos sabiam quando era hora de sentar, de levantar, de ajoelhar, de bater no peito.

Missal

Missal

Havia um momento especial, por cuja chegada nossa marotagem adolescente ansiava. Hoje, que já se foram todos os antigos e que ninguém mais está aqui para me repreender, posso confessar: o melhor momento da missa era quando o padre dizia «Ite, missa est». Os fiéis respondiam em coro «Deo gratias!». Nessa réplica ninguém se enganava.

A última missa à qual assisti ainda era rezada em latim. Pra você ver que faz um tempinho. Mas me contaram que o ritual não mudou, só ficou mais explícito. O oficiante continua dizendo «Ide, a missa acabou». E a resposta tampouco se alterou: «Demos graças a Deus!». Ouvidos mais sensíveis juram que chegam a captar no «graças a Deus!» a expressão de um certo alívio. Um certo ar de «até que enfim, acabou!». Pode ser ilusão auditiva ou intriga de gente de pouca fé.

Mas vamos parar por aqui, antes que me acusem de apostasia. Longe de mim posicionamentos anticlericais. Costumo respeitar e apreciar ritos.

Essas lembranças têm-me ocorrido estes últimos tempos, quando observo a involução desse infeliz Mercosul, que continua dançando sua estranha quadrilha: um passo à frente e dois pra trás. Criado para fluidificar e favorecer o comércio, tornou-se, com o passar dos anos, instância política. Trocas comerciais foram repelidas a segundo plano. Sobressai a vaidade e o jogo de cena de líderes deslumbrados e ineptos. A cada novo episódio, acentua-se a irrelevância da natimorta «união aduaneira».

Cúpula do Mercosul Junho 2013

Cúpula do Mercosul sem o Paraguai, que estava de castigo
Junho 2013

Faz um ano, quando o congresso paraguaio decidiu, dentro de suas normas constitucionais, dar um «ite, missa est» ao ex-bispo que presidia o país, os dirigentes progressistas de algumas repúblicas da região entraram em efervescência. Num golpe malandro, os mandachuvas do Mercosul mandaram o Paraguai para fora da classe, de castigo. Enquanto isso, trataram de admitir, rápido, a Venezuela no clubinho. Lembremos que o parlamento paraguaio era amplamente contrário à entrada desse novo membro.

Essa inacreditável tratantada teve pelo menos um efeito colateral de alcance planetário: o Mercosul confirmou ao mundo que não é instância séria nem confiável. Desse clube, não se pode esperar nada de bom. Seus sinais de colapso, aliás, já estão uivando. Só não ouve quem não quer.

O Paraguai, embora tencionando guardar boas relações com o Brasil, dá mostras de total desinteresse por um Mercosul que o humilhou e que, de todo modo, não lhe traz nenhuma vantagem econômica.

Señor Nicolas Maduro, da Venezuela, não foi convidado (nem assistirá) à cerimônia que Assunção está organizando para entronizar o novo presidente do Paraguai. Doña Cristina Fernández de Kirchner, da Argentina, um dia diz que vai, no dia seguinte desdiz. Anda um bocado acachapada com a derrota eleitoral que acaba de sofrer. Quem viver, verá.

Por seu lado, o Brasil dá a entender que não descarta iniciar negociações comerciais diretas com a União Europeia, sem combinar antes com os sócios do clubinho sul-americano. Esse tipo de comportamento é a negação da essência do clube. Se assim proceder, o governo brasileiro estará passando o atestado de óbito do Mercosul.

E já não é sem tempo. Constatado o passamento e firmado o atestado de óbito, que se enterre o defunto. E que o último a sair apague a luz.

Ite, fratres, missa est! (*)

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(*) Ide, irmãos, a missa acabou!