Seja o que Deus quiser

José Horta Manzano

O Globo relata as consequências que se arrastam até hoje de um triste desastre ocorrido ano passado. Você talvez se lembre. Na madrugada de 31 de março, um motorista de aplicativo, de 52 anos de idade, rodava por uma avenida de São Paulo quando seu veículo foi violentamente abalroado, por trás, por um Porsche Carrera. O bólido, avaliado em R$ 1,3 milhão, trafegava a 136 km/h num trecho onde a velocidade era limitada a 50 km/h.

O motorista de aplicativo morreu antes de ser socorrido. O condutor do veículo de luxo tinha 24 anos de idade e havia bebido e saiu ileso. Apesar da habitual carteirada tentada por sua família, acabou encarcerado, dias depois, na Penitenciária de Tremembé (SP), onde se encontra ainda hoje à espera de ser julgado por um tribunal do júri.

O motorista de aplicativo havia comprado seu carro pelo sistema de leasing, com entrada e 48 prestações. Ao morrer, já havia pagado boa parte da dívida, faltando ainda quitar 18 parcelas.

Para espanto deste escriba, o contrato de leasing não incluía seguro que cobrisse o não pagamento de parte da dívida por razões que escapassem da responsabilidade do condutor. Assim sendo, a destruição do veículo em acidente sem culpa do contratante não estava coberta por nenhuma apólice!

O resultado é que a viúva do motorista de aplicativo recebe diariamente uma dezena de chamadas telefônicas de empresas especializadas em cobrança de dívidas atrasadas. Além dela, os filhos do falecido também começam a ser atormentados.

Como esse litígio vai se resolver, não sei. Advogados poderão dar as respostas que eu não tenho. Mas o que me espanta é que está fazendo quinhentos anos que o Brasil vive na imprevidência, na base do “seja o que Deus quiser”. A religiosidade de nossa gente é admirável e respeitável, mas não convém abusar da Providência Divina.

Os desbravadores desta terra não tinham a quem recorrer se não à esperança e ao trabuco. Mais que nunca precisamos conservar a esperança, mas está na hora de pendurar o bacamarte na cristaleira da sala. Desarmado, of course. Muitos litígios nem surgiriam caso os envolvidos se precavessem contratando uma apólice de seguro.

No caso do veículo vendido em sistema de leasing, é inconcebível que o contrato não tenha incluído, logo de saída, um seguro cobrindo a perda total do veículo em determinadas circunstâncias. Um cretino pode acabar com o carro (como aconteceu), uma árvore pode cair em cima, uma enchente pode levar o veículo e arrastá-lo para o mar ou para um rio.

Mas não só automóvel em leasing tem seus riscos. Uma casa ou um apartamento pode ser destruído pelo fogo, vítima de acidente doméstico ou de propagação do incêndio do vizinho. Um pequeno comércio ou indústria estão expostos aos mesmos riscos que uma casa. Em caso de incêndio, que fazer?

O vaso de gerânio que vosmicê colocou no beiral dá umas flores lindas. Mas um dia, uma de suas crianças (ou uma visita, ou o gato ou o cachorro) pode relar nele e derrubá-lo lá embaixo. Por desgraça, cai em cima de um senhor e o manda para o hospital. O cidadão, pai de quatro filhos menores, é posto em coma artificial durante meses. Como é que fica? Quem paga? Quem é que assume?

Vivo num país em que todos os cidadãos têm um seguro de responsabilidade civil. Não é obrigatório, mas ninguém é louco de não ter. Esse seguro – que, imagino, existe no Brasil – cobre danos que o contratante possa causar a terceiros ou a objetos pertencentes a terceiros. Vale a pena consultar a disponibilidade aí.

Há seguro para praticamente todas as atividades humanas. No Brasil, não estamos acostumados a prevenir. Espera-se que o mal aconteça, para só então pôr as mãos na cabeça e descobrir que… é tarde demais.

Com espontaneidade e elegância, a linguagem “wok” traduz assim:


Um homem(uma mulher) prevenido(a) vale por dois(duas).