O presidente da Itália

Palazzo del Quirinale, Roma
Sede da Presidência da República Italiana

José Horta Manzano

A Itália é uma república parlamentar em que os representantes do povo se distribuem em duas Casas: a Câmara e o Senado, num sistema bicameral como o nosso. Como ocorre também aqui, os parlamentares italianos são eleitos pelo povo, em sufrágio universal e direto. A grande diferença no topo da organização do Estado está no modo de escolha e nas atribuições do presidente da República.

Na Itália, a eleição do presidente é indireta. O eleitorado elege seus representantes e, por sua vez, são estes que escolhem o presidente. Dessa forma, os partidos ganham importância, dado que cada parlamentar costuma acompanhar as diretivas partidárias. O presidente, que é o chefe do Estado, é escolhido pelos “grandes eleitores” – o conjunto de deputados, senadores e representantes dos governos regionais –, num total de 1009 votantes.

Estes dias está sendo eleito o novo chefe do Estado italiano. A presidencial italiana é bastante peculiar, na medida que não há candidatos. Nesse ponto, assemelha-se à eleição de um papa. Noves fora conciliábulos de corredor, não há campanha aberta. As papais e as italianas devem ser as únicas eleições em que não há candidatos inscritos. Pela Constituição, qualquer um pode ser escolhido desde que preencha três condições: ser cidadão do país, ter cumprido 50 anos de idade e gozar dos direitos civis e políticos.

Em princípio, a eleição parece realmente aberta a todos. No entanto, desde a instauração do regime republicano, ao final da Segunda Guerra, o presidente sempre foi escolhido entre os parlamentares, com muito poucas exceções. O desenrolar das eleições pode contar com um ou mais turnos. O número é ilimitado. Funciona assim. Nos três primeiros turnos, vence aquele que obtiver 2/3 dos votos. A partir do quarto turno, a maioria absoluta (50%) é suficiente. Vence quem tiver mais votos que todos os outros reunidos.

Houve (raríssimos) casos de um presidente ser eleito logo no primeiro turno. No outro extremo, a eleição mais demorada necessitou 23 turnos para um candidato chegar à maioria dos votos. Em geral, organizam-se dois ou três turnos por sessão parlamentar. Assim, o processo eletivo pode levar dias ou até semanas.

O presidente tem mandato de 7 anos. Seus poderes não são tão amplos, visto que o sistema é parlamentar. Ele é chefe do Estado, mas não do governo, que é exercido pelos parlamentares. Assim mesmo, o presidente está longe de ser figura decorativa, como em certas repúblicas parlamentares (Alemanha, por exemplo). Ele representa um “poder neutro”, independente do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Exerce um poder conciliador.

É o representante do país perante autoridades estrangeiras. Algumas de suas atribuições são: enviar mensagens à Câmara, autorizar a apresentação de projetos de lei, promulgar leis, determinar a realização de referendos, nomear o chefe do governo (em concordância com o Parlamento), nomear membros da Corte Constitucional, conceder graça e comutar penas. Há muitas outras.

Os três primeiros turnos da atual eleição já correram, e nenhum nome se destacou. Hoje começa a parte séria, a partir do 4° turno. Vamos ver quantos serão necessários.

Esse sistema de organização do Estado deve parecer exótico para o brasileiro, acostumado com um presidente onipresente e quase onipotente. Na minha opinião, a experiência parlamentarista valeria a pena de ser tentada em nosso país. Vejo, em princípio, duas vantagens.

Em primeiro lugar, sem ter de escolher presidente, o eleitorado escolheria seus representantes, deputados e senadores, com muito mais cuidado. Já seria um bom começo.

Em segundo lugar, desapareceria essa figura de “presidente super-homem” que decide tudo, que pode tudo, que manda em todo o mundo, que governa por decreto, que nomeia 20 mil funcionários comissionados, que se agarra ao poder, que imprime o ritmo ao país (em marcha acelerada ou em marcha à ré, dependendo do ocupante do cargo). Seja quem for o(a) presidente, a distorção será sempre a mesma: ter um indivíduo com tamanho poder entre as mãos não é bom para o país.

Quem sabe um dia, no futuro, o Brasil acorda e muda o regime. Quem viver verá.

Democracia?

José Horta Manzano

Em tese, o Brasil vive sob regime democrático. Democracia é sistema de governo no qual o poder é exercido pelo conjunto dos cidadãos. Essa é a teoria. No entanto, entre teoria e prática, a distância é às vezes ampla. Tem horas em que o regime é posto à prova. Estamos numa delas.

Todo cidadão de boa vontade sabe – e até estudos sobre as tuitadas das últimas 48 horas mostram – que folgada maioria de compatriotas quer mais é ver doutor Bolsonaro pelas costas. ¡Basta ya! – Chega!, como diriam os espanhóis. Encheu os picuá, como se dizia antigamente. Toda língua e todo dialeto tem expressão pra dizer que passou da conta. Nunca o Brasil teve presidente tão minguado e governo tão ruim.

É agora que a democracia tem de mostrar os músculos. É o governo do povo, pois não? O povo, decepcionado, não quer mais o líder. A lógica ensina que basta trocar de presidente. Infelizmente, não é tão simples. Nosso sistema político-eleitoral é travado. Os iluminados que costuraram a Constituição de 1988 não calcularam que uma Dilma ou um Bolsonaro pudessem ocupar a Presidência. Não previram porta de saída. Não há meios de convocar plebiscito de recall (recolha), como em outras terras.

Os duzentos e tantos milhões de brasileiros estão de mãos amarradas. O futuro imediato do país está na dependência do veredicto de um punhado de indivíduos, nossos verdadeiros grandes eleitores . São eles: o procurador-geral da República, os senadores, os deputados federais e os ministros do STF. Ao todo, não dá mil pessoas. A saída de Bolsonaro tem necessariamente de contar com a anuência deles.

Cada um dos grandes eleitores tem interesses pessoais, nem sempre sintonizados com a vontade do eleitor comum. Pra chegar ao desfecho que a maioria de nós espera, precisa haver convergência desses interesses particulares em direção a um objetivo comum, o que é difícil.

Sozinho, o distinto leitor pode se enervar, gesticular, gritar, bater panela, xingar a mãe – nada vai acontecer. Para pressionar os figurões e dobrá-los à vontade da maioria só há um jeito. É preciso que a grita popular se concerte, se alevante, se sobreponha ao ruído de robôs e milícias digitais. É o que se fez pra mandar Dilma pra casa, só que agora o prêmio é maior: um Bolsonaro vale duas Dilmas. Por baixo.