Frustração

José Horta Manzano

Um pouco por seus próprios méritos, um pouco por ajuda de interesseiros, o Lula conseguiu, em sua quarta tentativa, ser eleito presidente do Brasil.

Um pouco por interesse dos que o tinham ajudado a guindar-se à presidência, um pouco por sua própria vontade, o Lula ansiava ficar na História. História mundial, se possível.Boina

Sob o conselho de assessores mais bem informados e sintonizados com a realidade, seu governo manteve, em suas grandes linhas, a mecânica de funcionamento que já havia destravado o País antes de sua eleição. Não transtornar a gestão da economia foi fundamental. O sol desanuviado que inundou as finanças planetárias até a crise de 2008 ajudou também. E muito.

Nosso presidente, embriagado pelo sucesso que ― para espanto de cidadãos mais antenados ― não hesitou em atribuir exclusivamente a seus méritos pessoais, queria mais. As fronteiras nacionais, embora extensas, tornaram-se estreitas para seu anseio de glória planetária.

Seus assessores ― acertada ou ingenuamente, só o tempo dirá ― sopraram-lhe que o caminho mais direto seria alçar contra os Estados Unidos, potência  dominante, uma bandeira de discordância explícita e sistemática.

O presidente anuiu e acumpliciou-se com os que lhe indicavam a senda exótica. Nossos dirigentes decidiram, então, entregar nossos anéis, de mão beijada, à China. Em sua ingenuidade, convenceram-se de que o país oriental, pobre e atrasado como o nosso, se tornaria nosso melhor aliado. Mais que isso: nossa melhor garantia de conquistar uma cadeira cativa no Conselho de Segurança da ONU, obsessão do Planalto já faz 10 anos. Na garupa, viria, naturalmente, a glória eterna de nosso taumaturgo.

Doce ilusão. Esqueceram-se de Drummond. (Talvez jamais tenham ouvido falar dele.)

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

PedraÉ. A pedra se chamava Hugo Chávez. Com esse, ninguém contava. Até pouco tempo antes, a Venezuela era apenas conhecida como saco de pancada da seleção nacional de futebol. Cinco a zero, seis a zero, oito a zero, era tudo o que esperávamos dos hermanos do norte.

Acontece que Hugo Chávez também tinha acólitos que o aconselhavam. E seus auxiliares lhe haviam soprado a mesma recomendação que recebera nosso presidente: afrontar os Estados Unidos.

O inconveniente é que Chávez foi mais rápido, mais midiático e mais contundente. Terá sido por sua boina caída de lado, por sua camisa vermelha, por seu descaramento, por sua falta de compostura. Terá sido porque seu único produto de exportação era mais estratégico que todos os nossos reunidos. É difícil dizer.

O fato é que o presidente vizinho fez mais barulho que o nosso, projetou-se mais que o nosso, amedrontou mais que o nosso. Em uma palavra: enevoou a imagem que nosso Lula nacional gostaria de ter projetado no planeta.

Nosso guia teve de abandonar a ideia de tornar-se líder da rebeldia sulamericana. Foi obrigado a contentar-se com o papel de coadjuvante. Há de ter sido uma das maiores frustrações de sua carreira.

O destino, que é inexorável, decidiu e obrou. Enquanto nosso Lula era número um inconteste no Brasil e brilhava dentro das fronteiras, quem resplandecia no panorama global era Chávez. Ofuscava nosso presidente. Incomodava.

Agora acabou. Ao bolivariano, restam as homenagens dos irredutíveis, as obséquias nacionais, a comoção do bom povo, o culto póstumo. A nosso guia tupiniquim, resta a amargura do que poderia ter sido mas não foi.

Se nosso Lula guarda ― entre outros ― um desgosto particular, é certamente este: seu caminho ao estrelato foi sombreado por um concorrente com as mesmas ambições. Que fazer? Nada é perfeito.

Agora é tarde. Para ambos.

De caniço e samburá

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Este não pode

Você sabia?
José Horta Manzano

Na maior parte dos países europeus, a pesca de lazer é regulamentada. Não pesca quem quer, onde quer, como quer, nem quanto quer. Tem de ser tudo direitinho, como manda o figurino.

Alguns anos atrás, recebi por alguns dias a visita de um amigo japonês. Era verão, estávamos na França à beira de um lago, e meu amigo ― pescador diletante ― exprimiu seu desejo: gostaria de pescar por aqui. Que peixe dá?

Eu não sabia, mas fui-me informar. As variedades de peixes consegui logo descobrir, esse não foi o problema. A complicação veio em seguida. Para pescar na França, precisa ser membro de uma das 4200 associações reconhecidas pelo estado. Os sócios pagam uma anuidade que lhes dá o direito de pescar.

Mas a França é país altamente turístico. Os visitantes de passagem, como meu amigo, não foram esquecidos. Pode-se pagar por uma autorização temporária de uma ou duas semanas. Sai proporcionalmente mais caro, mas, pelo menos, o turista poderá empunhar seu caniço dentro da lei.

Dentro da lei? Um momentinho, ainda faltam algumas instruções. As associações de pescadores amadores fornecem um manual com as regras a serem absolutamente respeitadas. Não é um manualzinho, é um livrão, mais impressionante que esses catálogos escritos em 42 línguas, que acompanham os eletrodomésticos.

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Este pode

Meu amigo japonês quase caiu de costas quando ficou sabendo. Disse que, no Japão, a coisa é bem diferente. A pesca de lazer é livre, cada um pesca o peixe que quiser, onde preferir. No entanto, neste vasto mundo, nem que o pescador se chame Raimundo encontrará a solução. (Com a necessária piscadela cúmplice a Drummond.)

Leigo no assunto, sou incapaz de traduzir em tupiniquim o jargão do mundo da pesca amadora. As técnicas descritas no manual são sete. Há cinco tipos diferentes de material de base, sem contar os accessórios. A pesca pode ter lugar em água doce em movimento, em água doce parada, no mar próximo à terra, em mar aberto. A variedade de iscas, nós, linhas é vasta. Há lugares onde é permitido pescar. Vinte metros mais à frente, já pode ser proibido. O bom pescador terá obrigatoriamente de carregar ― no bolso ou no samburá ― um mapa especificamente desenhado para a pesca naquela precisa região.

Não se pesca a qualquer momento do ano, não. Tudo varia conforme a região, o tipo de linha, o tipo de material, o ponto do rio ou do lago. Certas espécies podem ser pescadas o ano inteiro, enquanto outras só podem ser apanhadas algumas semanas por ano.

Há variedades de animais protegidos. Se, por desventura, um deles vier a ser capturado, tem de ser solto e devolvido imediatamente à água. O bom pescador tem de ir à faina munido de uma régua. Cada espécie de peixe tem um comprimento mínimo, abaixo do qual terá de ser devolvido à vida.

E ai de quem ousar desobedecer. Fiscais estão à espreita para aplicar multa aos contraventores. E a multa pode ser pesada, cuidado!

Meu amigo japonês achou que era mais simples comer um sushi num restaurante típico. Mesmo que não fosse preparado na hora, na frente do freguês…