O vôlei e a camisa 24

José Horta Manzano

Leio a notícia e imagino que esse Arco-Íris seja um grupo esportivo exclusivo para integrantes do espectro LGBT. Após verificação, descubro que não é bem assim.

Na coluna “Notícias recentes” do site deles, a notícia mais recente foi postada no longínquo ano 2018. Talvez outras atividades mais importantes não tenham deixado tempo livre para atualizar a página. Em todo caso, o site não traz nenhuma menção de atividades esportivas.

Me parece curioso ver uma associação externa ao vôlei (e ao esporte) recorrer à Justiça para tentar impor sua visão de mundo a uma modalidade esportiva tão popular como o vôlei. Pior que isso, me parece hipócrita ver uma juíza tomar satisfações da Confederação de Vôlei quanto à não atribuição da camiseta n° 24. No Brasil, todo o mundo sabe muito bem por que razão nenhum esportista deseja vestir uma camisa com esse número: é que todos fogem ao constrangimento.

Se o grupo Arco-Íris decidisse montar um time de vôlei em que todos os jogadores ostentassem o n° 24, que o fizessem: seria parte das liberdades de toda associação. Quem não estivesse de acordo não se associaria. Até aí, tudo perfeito.

Agora, que acionem a Justiça para requerer que a CBV obrigue seus jogadores a ornamentar a camiseta com um signo que os estigmatizaria me parece uma violência.

Que um juiz acolha o pedido abusivo e lhe dê sequência é ainda mais inquietante. A judicialização do dia a dia do brasileiro sobe a níveis cada vez menos suportáveis.

Está aí a Polícia dos Costumes mais uma vez em ação.

Hipocrisia da grossa

José Horta Manzano

No jogo do bicho, o veado leva o número 24. Na primeira metade do século 20, quando não havia as numerosas modalidades de loteria que há hoje, o jogo do bicho era parte integrante da rotina de todos os cidadãos. Homens e mulheres, velhos e jovens, ricos e pobres, todos faziam sua ‘fezinha’ (de , não de fezes). Mesmo proibido – ou talvez exatamente por isso –, o jogo sempre foi apreciado.

Com o passar do tempo, a rotina da “fezinha” perdeu um pouco de força, mas a síndrome do número 24 continua firme e forte. Na linguagem popular do Brasil, não sei por que razão, o homem homossexual é chamado de veado. A partir daí, surgiu uma amálgama: homossexual = veado = 24. Essa tríade está ancorada na cabeça de todos.

Para um adolescente, faixa etária em que a personalidade ainda não está suficientemente firme pra resistir a certas pressões, ser designado pelo número 24 – na lista de chamada na escola, por exemplo – pode ser um peso difícil de carregar. Chacotas, zombarias, brincadeiras de mau gosto são um tormento quotidiano.

Pra evitar aborrecimentos, o brasileiro costuma fugir desse número. Não sei se, nas escolas do Brasil, a lista de chamada ainda atribui um número a cada aluno. Também não sei se o 24 é pulado. O que sei é que, certamente na preocupação de evitar constrangimento para os selecionados, a CBF não dá a camisa 24 a nenhum jogador.

Outro dia, um grupo LGBT que se sentiu ofendido com a ausência do 24 nas camisas da Seleção, entrou com ação judicial requerendo que a CBF informasse a razão do sumiço. Quando li a notícia, me pareceu zombaria. Como é que é? Não sabem por que razão nenhum jogador de futebol quer saber de camisa com esse número? Só pode ser brincadeira.

Não, não era brincadeira. E a demanda subiu até o Supremo que, parece inacreditável, acolheu o pedido. E deu 48 horas à CBF para explicar a razão de o número ser sistematicamente pulado. A explicação veio, num exercício de malabarismo em corda bamba, complicado de escrever, de ler e de entender.

Continuo sem atinar com os motivos que levaram o tal grupo de defesa dos interesses LGBT a proceder como o fizeram. Não percebi direito onde está a ofensa à causa da diversidade sexual. Me parece mesmo é falta do que fazer, com pinceladas de hipocrisia pesada. Da próxima vez, devem aproveitar o embalo e questionar a mais alta corte americana sobre a inexistência de 13° andar em numerosos edifícios americanos. Se defendem o direito à existência de todos os números aqui, deveriam fazê-lo ali também. Ou não?

Pra quem perdeu um capítulo, está aqui:

A demanda do grupo LGBT que acusou a CBF de homofobia (!)

O contorcionismo verbal da CBF para explicar sem dizer a verdade.