Boicote – 2

José Horta Manzano

Em 1492, Cristóvão Colombo tomou posse, em nome da Coroa Espanhola, de terras recém-descobertas. Embora ninguém, naquela altura, se desse conta, ele acabava de desembarcar num imenso e desconhecido continente, que receberia mais tarde o nome de América.

Os Estados Unidos, apesar de serem herdeiros das colônias inglesas e não das espanholas, sempre aceitaram Colombo como descobridor oficial do continente. Columbus Day é o nome do 12 de outubro, data do descobrimento. Pelo menos vinte cidades americanas, grandes e pequenas, levam o nome de Columbus, em homenagem ao descobridor.

Em 1898, os EUA e a Espanha entraram em guerra. O conflito não foi longo mas devastador para a Espanha, que perdeu, para os EUA, as colônias que lhe restavam: Cuba, Porto Rico, Filipinas, Guam e pequenos arquipélagos no Oceano Pacífico.

Apesar de os dois países estarem em estado de beligerância, não consta que nenhuma localidade americana tenha cogitado “cancelar” o nome de Columbus, o descobridor que trabalhara a serviço da Espanha. O 12 de Outubro também não foi afetado: continuou sendo lembrado como Columbus Day, status que mantém até hoje.

Em 24 de fevereiro último, o exército russo invadiu a Ucrânia suscitando um clamor planetário de indignação. Reações têm sido fortes. Sanções financeiras e comerciais estão chovendo sobre a Rússia. Mas tem de haver limite para tudo.

Como já denunciei alguns dias atrás, a anulação de palestra sobre Dostoiévski, o maior escritor russo, como fez uma universidade italiana, é claro exagero. Não ajuda a Ucrânia. Não é símbolo de repulsa, mas de ignorância.

Yuri’s Night
O site Futurism dá notícia de uma nota (ora deletada) lançada por uma fundação sem fins lucrativos. Devia ser uma noitada dedicada a recoltar fundos. O tema era “Yuri’s Night” – em homenagem a Yuri Gagarin, primeiro humano a dar algumas voltas em torno da Terra, dentro de uma cápsula que orbitava além da atmosfera. O chato é que Gagarin, que faleceu 54 anos atrás, era de nacionalidade russa. Em curiosa forma de protestar contra a agressão da Rússia contra a Ucrânia, a homenagem ao astronauta foi cancelada, e a noitada passou a chamar-se “Uma celebração do Espaço: Descubra o que vem depois”.

Reptile Database
O site Reptile Database centraliza dados científicos sobre todas as espécies de répteis conhecidas na face da Terra. Esta semana, passou inacreditável informação ao conjunto de seus assinantes, que costumam ser cientistas, pesquisadores e estudantes. Fez saber que estava removendo da plataforma, com efeito imediato, mais de mil artigos assinados por cientistas russos, pouco importando que tivessem sido escritos muitos anos antes. Com a manobra, castigou não somente cientistas russos (que podem até ser oponentes a Putin). “Cancelou” cientistas de outras nacionalidades, cujo único pecado era ter coassinado um artigo com um colega russo. De tabela, vedou a cientistas do mundo inteiro acesso à conceituada base de dados.

Repito que, por mais simbólicas e humanitárias que possam parecer, essas medidas são um hino à ignorância, além de serem inócuas e inúteis. Putin não costuma acessar base de dados de herpetologia.

Uma vida vigiada

José Horta Manzano

Já disse e repito: estamos cada dia mais vigiados. Big Brother está aí, chegou pra ficar. Meus argutos leitores já se deram conta.

by Olga Subirós, arquiteta espanhola

by Olga Subirós, arquiteta espanhola

O espanhol El País publicou artigo sobre o assunto, de autoria da doutora Gemma Galdon Clavell, da Universidade de Barcelona. Ela assinala uma série de objetos e procedimentos de uso diário cujos dados podem escancarar a vida e a intimidade de cada um de nós.

A lista não é exaustiva.

Interligne vertical 16 3Kf1. Videovigilância. É muito prático poder assistir, de longe, ao que está acontecendo dentro de casa. O chato é que um grampo pode ser instalado por terceiros que poderão, assim, assistir às mesmas cenas.

2. Relógios de luz, termostatos e medidores de água, tão comuns e necessários, fornecem informação sobre hábitos do utilizador.

3. Televisores inteligentes e consoles de videogames dispõem de câmeras e microfones. O usuário pode estar sendo espionado.

4. Cartões de crédito são preciosa fonte de dados. Fornecem informações disputadíssimas sobre hábitos de compra.

5. Controles biométricos de entrada e saída armazenam informação sobre passantes.

6. Monitoramento remoto no trabalho pode, através de captura de tela, medir a produtividade do trabalhador.

7. Bases de dados pessoais contêm dados fiscais e de saúde dos clientes. Essa informação pode cair em mãos alheias.

8. Sensores de contagem de pessoas monitoram o fluxo de compradores e o tempo de permanência.

9. Cartões de fidelidade oferecem vantagens e descontos, mas também recompõem o perfil de cada comprador.

10. Ibeacons enviam ofertas para celulares próximos.

11. Wifi gratuito pode bisbilhotar o perfil Facebook de cada utilizador.

12. Cartões recarregáveis de transporte público guardam dados sobre os deslocamentos de cada passageiro.

13. Redes de automóveis e de bicicletas de aluguel registram trajetos dos clientes.

14. Placas de carros podem ser facilmente lidas por sistemas instalados na via pública.

15. Telefonia móvel permite geolocalizar.

16. Câmeras térmicas e sensores sonoros medem o fluxo de pedestres e níveis de ruído.

17. Mobiliário urbano detecta a presença de pedestres. Câmeras podem gravar, com nitidez, a imagem de quem passar.

18. Sistemas de estacionamento com cartão personalizado guardam dados sobre o utilizador.

Como se tudo isso não bastasse, quem nos garante que todas as nossas comunicações telefônicas não estão sendo armazenadas em gigantescas bases de dados? E nossas mensagens eletrônicas?

Big Brother 1É verdade que não há orelhas suficientes para escutar tudo. No entanto, em caso de necessidade, não deve ser difícil encontrar o que tiver de ser encontrado. Quem procura acha.

O que parecia, vinte ou trinta anos atrás, delirante ficção científica é hoje realidade. Estamos cercados – não dá pra escapar.