Os primos ricos

Manchete de O Globo

José Horta Manzano

Há quem diga que boxe, uma variante do soco-inglês, não é esporte, é resquício de briga de neandertais. Há quem diga que nado artístico não é esporte, é balé. Há quem diga que hipismo não é esporte, pois quem dá duro é o cavalo, não o homem. Há ainda quem diga que skate (ou esqueite, forma ignorada, mas que aparece no dicionário) também não é esporte, que é brinquedo de pré-adolescente.

Seja como for, todas essas modalidades são reconhecidas pelo Comitê Olímpico Internacional e têm o direito de aparecer nos Jogos Olímpicos. Portanto, se reclamações há, não briguem comigo. Convém escrever uma cartinha para o Comitê, sediado em Lausanne (Suíça).

Falando em Lausanne, é cidade pela qual tenho carinho, por ter lá passado meus verdes anos. Mas isso já faz muito tempo e não vem ao caso neste momento.

A manchete que reproduzo acima me deixou um tanto surpreso. Informa que o COB, entidade encarregada de supervisionar o esporte olímpico no Brasil, planeja injetar mais dinheiro no skate. O mistério dessa lógica me parece difícil de desvendar.

Metade das 6 medalhas de prata do Brasil foram conquistadas por skatistas. Com ou sem dinheiro do COB, esse esporte já desliza sozinho sobre suas rodinhas. Acho que o Comitê devia mais é se preocupar com os parentes pobres, aquelas modalidades em que nossos atletas tiveram participação modesta ou nula.

No atletismo, há dezenas de modalidades em que nenhum brasileiro participou. No ciclismo, idem. Há ainda a escalada, a esgrima, a ginástica acrobática, o tiro esportivo e com arco – cada um deles comportando diferentes modalidades.

Se o COB, além de colher os louros da vitória, tem real intenção de trabalhar pelo desenvolvimento do esporte no Brasil, devia cuidar dos parentes esquecidos, não somente dos primos ricos.

Não dá mais tempo

José Horta Manzano

Não se pode dizer que nosso guia tenha subido na vida trabalhando duro. Antes de atingir a idade de 40 anos, já tinha deixado de bater ponto. Daí pra diante, dedicou-se a deitar falatório enquanto os companheiros cuidaram do resto. E que resto!

Tempos Modernos (1936), Charles Chaplin

Tempos Modernos (1936), Charles Chaplin

Esse percurso peculiar há de lhe ter dado a impressão de que o mundo funciona na base da força do pensamento. Basta desejar – e vociferar quando necessário – para moldar presente e futuro. Insistindo em sofismas, nosso guia tentou mudar até o passado, um assombro! Por um momento, houve gente que chegou a acreditar.

Esporte 2Hoje, tudo isso acabou. Afinal, nenhum mal é eterno. Alguns anos atrás, no entanto, quando «fez o diabo» para conseguir que os Jogos Olímpicos de 2016 fossem atribuídos à cidade do Rio de Janeiro, nosso demiurgo ainda vivia num mundo de fantasia.

Há de ter acreditado que bastava um sopro seu para garantir o sucesso dos atletas brasileiros. A designação do Rio de Janeiro foi considerada um fim em si, uma conquista, uma glória, o coroamento de admirável percurso político pessoal.

Esporte 3Desmancha-prazeres, o destino ousou contrariar o que parecia ser favas contadas. O vergonhoso desempenho da seleção nacional de futebol no Campeonato Mundial de 2014 despejou um balde de água gelada em muitas esperanças. Mensalão, petrolão e generalizada incompetência governamental lavaram a jato a glória pré-contabilizada.

O resultado é que os JOs 2016 perderam o encanto antes mesmo de começar. Faltando menos de um ano, pouco se fala neles. A julgar pelos resultados do Campeonato Mundial de Atletismo – que se desenrola estes dias em Pequim – dos duzentos e tantos milhões de habitantes de que dispõe, o Brasil não conseguiu espremer um número expressivo de atletas.

Esporte 1Com amor-próprio mais enraizado que o nosso, a China – país de pouco peso no esporte até então – trabalhou duro para brilhar nas Olimpíadas de Pequim, em 2008. E brilhou. No quadro de medalhas, apareceu em primeiro lugar, à frente de mastodontes como os EUA e a Rússia. Das 302 medalhas de ouro possíveis, abocanharam 51, uma façanha.

Em relato desta semana, o portal esportivo da televisão pública francesa apregoa em manchete: «Le Brésil sans relief à Pékin un an avant les Jeux Olympiques de Rio»o Brasil irrelevante em Pequim um ano antes dos Jogos Olímpicos do Rio.

JO 2016Do jeito que vão as coisas, podemos ir-nos preparando para mais um vexame transmitido ao vivo em escala planetária. É pena. Quem sabe um dia aprendem que, para as coisas funcionarem, não basta desejar: há que trabalhar.