O destrambelho de Trump repercutiu longe. Até o jornal falado da rádio pública suíça, noticiário que costuma ser morno e sem-sal, reservou um bloco à agressão que o Brasil sofreu por parte do presidente dos EUA.
Trump deu, como pretexto, os ataques que o Brasil vem fazendo contra a liberdade de expressão (?). Mencionou ainda um misterioso “déficit” americano na balança comercial binacional. Esse tal déficit é imaginário, visto que, de 16 anos pra cá, são os EUA que registram superávit, ano após ano. Ou Trump não sabe o que diz ou sabe muito bem mas faz esse discurso para sua base eleitoral, composta de gente semiletrada que engole cru sem jamais conferir nem que fosse na Wikipédia.
Toda moeda tem duas faces. O aumento de 50% nos impostos de importação decretado por Trump vai prejudicar exportadores brasileiros. Mas ao mesmo tempo, afetará consumidores americanos, que pagarão preço extorsivo pela carne, pelo café, pelo chocolate, pelo suco de laranja – produtos de origem brasileira. Sem falar em mercados de nicho como frutas amazônicas e nordestinas (açaí, castanha de caju, castanha do Pará) e insumos vegetais preciosos para a indústria farmacêutica.
Agora, ó companheiro Lula, preste bem atenção, que o que vem agora é especial pra vosmicê!
Certas desgraças, se exploradas com inteligência, podem virar um trunfo. A estultice de Trump é daquelas chicotadas que merecem ser tema de uma boa ‘tempestade cerebral’ – em bom português: brainstorming. Junte o que houver de melhor à sua volta, não digo a turma do sim senhor, mas gente realmente esperta, ponderada, de visão. Como? Sim eu sei que é mercadoria rara no entorno de vosmicê, mas procure. Bote anúncio no jornal, se for o caso.
Parta do princípio que, neste momento, tem um mundaréu de eleitores brasileiros desconsolados com as medidas de Trump, que os afetam como uma bofetada nas fuças. Com poucas exceções, são bolsonaristas. Não deixe o malho esfriar. Há que bater enquanto está quente. O objetivo é dar guarida a esses órfãos desamparados: abrir os braços e mostrar que, do lado de cá, há mais compreensão, mais simpatia e, sobretudo, mais constância. Do lado de cá, eles não perigam ser bofeteados com sanções estúpidas vindas de um estrangeiro ignorante.
Se vosmicê conseguir reunir uma boa turma para o brainstorming e se ele for feito com inteligência, não tem com dar errado: uma parte dos desiludidos hão de abandonar o barco dos desenganos. A recolha dos náufragos tem de ser feita com grandeza, sem rancores, sem acusações, de bom grado e bom coração.
Bem organizada essa fase, é só continuar atacando o capitão, mas mantendo o espírito de fraternidade para com os recolhidos. Até o dia das eleições. Antes de tomar qualquer decisão, tem de pesar bem os prós e os contras. Tudo há de dar certo. Ah, um conselho importante a nosso presidente!
Fora das declarações oficiais e dos discursos lidos, faça o possível e o impossível para guardar a língua no bolso, companheiro Lula! Não vá dar alguma daquelas declarações precipitadas que põem tudo a perder! O silêncio é ouro! Tome exemplo no companheiro vice-presidente, mudo como um peixe.
É a única oportunidade que vosmicê terá de aparecer dois palmos acima dos fanáticos do lado de lá. Suba os degraus que se apresentam à sua frente, abra seu melhor sorriso e… vamos em frente.
No palanque, pode demolir Bolsonaro, esporte que o Brasil aprendeu a amar. Fora dele, fuja daquelas obscuras transações, de que todos acabam ficando sabendo um dia, e que corroem sua imagem.
Seguindo a receita direitinho, não há como errar. É com este que eu vou! E nunca esqueça: guarde a língua no bolso, guarde a língua no bolso, guarde a língua no bolso.
Outra coisa: é bom ficar de olho no capitão.
Esta manchete é da Folha de S.Paulo, 10 julho 2025.


