Brainstorming

José Horta Manzano

O destrambelho de Trump repercutiu longe. Até o jornal falado da rádio pública suíça, noticiário que costuma ser morno e sem-sal, reservou um bloco à agressão que o Brasil sofreu por parte do presidente dos EUA.

Trump deu, como pretexto, os ataques que o Brasil vem fazendo contra a liberdade de expressão (?). Mencionou ainda um misterioso “déficit” americano na balança comercial binacional. Esse tal déficit é imaginário, visto que, de 16 anos pra cá, são os EUA que registram superávit, ano após ano. Ou Trump não sabe o que diz ou sabe muito bem mas faz esse discurso para sua base eleitoral, composta de gente semiletrada que engole cru sem jamais conferir nem que fosse na Wikipédia.

Toda moeda tem duas faces. O aumento de 50% nos impostos de importação decretado por Trump vai prejudicar exportadores brasileiros. Mas ao mesmo tempo, afetará consumidores americanos, que pagarão preço extorsivo pela carne, pelo café, pelo chocolate, pelo suco de laranja – produtos de origem brasileira. Sem falar em mercados de nicho como frutas amazônicas e nordestinas (açaí, castanha de caju, castanha do Pará) e insumos vegetais preciosos para a indústria farmacêutica.

Agora, ó companheiro Lula, preste bem atenção, que o que vem agora é especial pra vosmicê!

Certas desgraças, se exploradas com inteligência, podem virar um trunfo. A estultice de Trump é daquelas chicotadas que merecem ser tema de uma boa ‘tempestade cerebral’ – em bom português: brainstorming. Junte o que houver de melhor à sua volta, não digo a turma do sim senhor, mas gente realmente esperta, ponderada, de visão. Como? Sim eu sei que é mercadoria rara no entorno de vosmicê, mas procure. Bote anúncio no jornal, se for o caso.

Parta do princípio que, neste momento, tem um mundaréu de eleitores brasileiros desconsolados com as medidas de Trump, que os afetam como uma bofetada nas fuças. Com poucas exceções, são bolsonaristas. Não deixe o malho esfriar. Há que bater enquanto está quente. O objetivo é dar guarida a esses órfãos desamparados: abrir os braços e mostrar que, do lado de cá, há mais compreensão, mais simpatia e, sobretudo, mais constância. Do lado de cá, eles não perigam ser bofeteados com sanções estúpidas vindas de um estrangeiro ignorante.

Se vosmicê conseguir reunir uma boa turma para o brainstorming e se ele for feito com inteligência, não tem com dar errado: uma parte dos desiludidos hão de abandonar o barco dos desenganos. A recolha dos náufragos tem de ser feita com grandeza, sem rancores, sem acusações, de bom grado e bom coração.

Bem organizada essa fase, é só continuar atacando o capitão, mas mantendo o espírito de fraternidade para com os recolhidos. Até o dia das eleições. Antes de tomar qualquer decisão, tem de pesar bem os prós e os contras. Tudo há de dar certo. Ah, um conselho importante a nosso presidente!


Fora das declarações oficiais e dos discursos lidos, faça o possível e o impossível para guardar a língua no bolso, companheiro Lula! Não vá dar alguma daquelas declarações precipitadas que põem tudo a perder! O silêncio é ouro! Tome exemplo no companheiro vice-presidente, mudo como um peixe.


É a única oportunidade que vosmicê terá de aparecer dois palmos acima dos fanáticos do lado de lá. Suba os degraus que se apresentam à sua frente, abra seu melhor sorriso e… vamos em frente.

No palanque, pode demolir Bolsonaro, esporte que o Brasil aprendeu a amar. Fora dele, fuja daquelas obscuras transações, de que todos acabam ficando sabendo um dia, e que corroem sua imagem.

Seguindo a receita direitinho, não há como errar. É com este que eu vou! E nunca esqueça: guarde a língua no bolso, guarde a língua no bolso, guarde a língua no bolso.

 

Outra coisa: é bom ficar de olho no capitão.
Esta manchete é da Folha de S.Paulo, 10 julho 2025.

Eleição para prefeito

José Horta Manzano

A cada quatro anos, quando chega a hora de escolher prefeito, volto ao assunto. O modo de eleger o chefe do Executivo municipal revela o descompasso entre o Brasil das grandes metrópoles e o dos municípios menores.

Nossa legislação eleitoral prevê que somente municípios com mais de 200 mil eleitores têm direito a organizar um segundo turno para afinar a escolha do prefeito. Isso dá 95 municípios num total de 5570.

Olhando por outro prisma, constata-se que somente 40% dos brasileiros têm direito a essa segunda votação: são aqueles que residem em municípios populosos. Os demais – que excedem 60% dos habitantes do país – têm de se contentar com o resultado do primeiro turno.

No tempo em que se votava em cédula de papel, essa restrição era compreensível. De fato, além de sair caro, a apuração demandava tempo e mão de obra. Hoje, com a generalização da urna eletrônica, a dificuldade desapareceu.

A Constituição reza que todos os brasileiros são iguais. A gente sabe que, na prática, não é bem assim, mas não vamos exagerar; já há muita desigualdade por aí, não convém criar mais uma. Não é justo que, na hora de escolher prefeito, somente os habitantes de grandes centros tenham direito a afinar o voto, enquanto, para o resto, vai com casca e tudo.

Pra ser eleito, presidente tem de receber mais de 50% dos votos. Governador idem. Prefeito de grande metrópole ibidem. Por que, então, essa discriminação contra moradores de centros menores? Será que são menos brasileiros que os outros?

Nos anos 80, quando não havia ainda segundo turno para eleição nenhuma, uma candidata à Prefeitura de São Paulo foi eleita com apenas 33% dos votos, porcentagem que abala a legitimidade do eleito. Desde que o segundo turno foi instituído, esses sustos deixaram de ocorrer na maior parte dos casos; mas ainda resta o problema dos municípios menores.

A meu ver, estão sendo vítimas de injustiça. No entanto, pensando bem, se eles que são os interessados não reclamam, por que é que eu vou me preocupar? Vamos deixar pra lá.

Volto ao assunto daqui a quatro anos. Se o destino permitir, naturalmente.