Fetichismo

A Folha de São Paulo esqueceu que a cidade do Porto pede artigo. Sempre. Não se deve dizer “em Porto”, mas no Porto”. Quanto à Irmandade, ela não é “vunerável”, mas venerável.

 

José Horta Manzano

Um miocárdio que passou dois séculos mergulhado em formol há de interessar médicos-legistas e estudantes de medicina. Talvez biólogos e estudiosos de paleomedicina também encontrem nele algum encanto. Já para o distinto público leigo, é outra coisa. Eu me pergunto o que move um cidadão que decide sair de casa e fazer fila pra admirar o coração de D. Pedro I, o defensor perpétuo do Brasil, morto há 188 anos.

A prática de arrancar o coração de um cadáver antes de enterrá-lo já me parece um atentado ao respeito que se deve aos mortos, uma idéia estrambótica digna de filme de terror. Ao organizar uma viagem transatlântica dos despojos do imperador – com o único objetivo de animar a festa dos 200 anos de independência –, atingimos os píncaros de um fetichismo doentio.

O costume de prestar reverência a objetos que tenham sido um dia tocados pelas augustas mãos de Sua Majestade Imperial já me incomoda. Pasmar diante de um resto de seu cadáver me parece o fim da picada. Enlouqueceram todos: os que tiveram a ideia de trazer a “relíquia”, os que anuíram em cedê-la e os que vão se abalar a admirá-la.

Guardar as tripas do falecido durante dois séculos e fazê-las atravessar o oceano para exibição aos plebeus? Que fizessem vir a pluma com que D. Pedro escreveu ao pai anunciando que a pátria-mãe acabava de perder as colônias sul-americanas. Isso, sim, seria simbólico. Mas… o coração?

Bolsonaro se engana ao tentar fazer uso político dos destroços do imperador para afagar sua galera neopentecostal. Escapulários, relíquias, ex-votos e quetais são exclusividade da Igreja Católica. Os evangélicos, menos apegados a genuflexões e a práticas fetichistas, perigam não apreciar.

Um pensamento sobre “Fetichismo

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